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O 1º de Maio e a sombra da “pejotização”

A sombra da pejotização não pode obscurecer a luta histórica por um futuro do trabalho mais justo e equitativo

Às vésperas do 1º de Maio de 2025, Dia Internacional do Trabalhador, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) ameaça retrocessos significativos nos direitos sociais e trabalhistas brasileiros. A Corte reconheceu a repercussão geral do Tema 1389, que discute a licitude de contratos de prestação de serviços entre pessoas jurídicas — prática popularmente conhecida como pejotização. Com isso, foram suspensos em todo o país os processos que tratam da regularidade dessas contratações até o julgamento definitivo da matéria.

A pejotização consiste na substituição do vínculo de emprego formal por contratos de prestação de serviços via empresas individuais, mesmo quando a relação de trabalho apresenta características típicas de emprego, como subordinação, pessoalidade e onerosidade. Utilizada muitas vezes para reduzir custos trabalhistas e previdenciários, essa prática é considerada fraudulenta quando busca mascarar a verdadeira natureza da relação de trabalho.

Segundo o STF, a suspensão dos processos se justifica porque decisões da Justiça do Trabalho estariam desrespeitando jurisprudência da própria Corte, que admite a terceirização e a contratação entre pessoas jurídicas como lícitas, salvo em casos de fraude comprovada. Para o Supremo, seria necessário uniformizar a interpretação a respeito da validade desses contratos, diante da multiplicação de decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam vínculos empregatícios mesmo em relações formalizadas entre empresas.

Dados recentes revelam o avanço da informalidade e da precarização no mercado de trabalho. Segundo o IBGE, o Brasil fechou 2023 com 39,5 milhões de trabalhadores informais, o equivalente a 39,2% da população ocupada – o maior patamar desde 2016. Enquanto isso, o Cadastro Nacional de Empresas (CNE) do IBGE aponta que, entre 2019 e 2023, o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) saltou de 9,6 milhões para 15,7 milhões, crescimento de 63%. Desse total, 73% não possuem funcionários registrados, conforme dados do Sebrae (2024), evidenciando que a modalidade muitas vezes mascara relações de trabalho subordinado.

Precarização das relações de trabalho

Em um contexto de crise prolongada e desmonte sistemático dos direitos trabalhistas, quando seria urgente reforçar a valorização do trabalho e assegurar condições dignas aos trabalhadores, a postura da Suprema Corte preocupa ao legitimar, ainda que indiretamente, a precarização extrema das relações de emprego.

A alegação de que a Justiça do Trabalho estaria desrespeitando a jurisprudência do STF soa paradoxal. Apesar de decisões recentes com entendimentos variados e ambivalentes, historicamente a Justiça do Trabalho tem atuado como trincheira de defesa dos direitos dos trabalhadores, buscando desvelar artifícios que visam mascarar relações empregatícias legítimas sob o manto de contratos civis. A tentativa do STF de impor uma visão abstrata e descontextualizada da pejotização ignora a realidade concreta de milhares de trabalhadores cuja subordinação, pessoalidade e onerosidade são inegáveis.

O aumento exponencial das reclamações constitucionais no STF, em matéria trabalhista, também é revelador. Em vez de evidenciar um esforço de harmonização, essa escalada indica uma estratégia preocupante de esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho. Um mecanismo constitucional excepcional vem sendo utilizado de forma desvirtuada para contestar decisões baseadas em provas e na análise fática das relações de trabalho, transformando o STF, indevidamente, em instância revisora de provas — algo que a própria Corte veda em sua jurisprudência.

A paralisação de milhares de processos, justamente às portas do 1º de Maio, representa um duro golpe na luta dos trabalhadores por reconhecimento de seus direitos. Enquanto a sociedade se prepara para celebrar a história de lutas sociais, muitos trabalhadores veem suas demandas por vínculo empregatício e reparação de direitos suspensas por uma decisão monocrática, marcada pela insensibilidade diante da realidade social.

Neste 1º de Maio de 2025, a reflexão sobre a decisão do STF e o Tema 1389 se torna ainda mais urgente. A data, que evoca a luta histórica por melhores condições de trabalho, agora se confronta com a ameaça concreta de generalização da pejotização fraudulenta — prática que enfraquece a proteção social, compromete o financiamento da previdência e mina a atuação sindical, pilares fundamentais da garantia de direitos da classe trabalhadora.

O 1º de Maio não pode ser apenas uma data comemorativa. Precisa ser um momento de reafirmação da importância da Justiça do Trabalho e da necessidade de proteger os direitos sociais frente a retrocessos. A decisão do STF exige uma resposta firme da comunidade jurídica, das organizações sindicais e da sociedade civil em defesa de um trabalho protegido e de uma Justiça do Trabalho forte e independente, capaz de cumprir seu papel constitucional de reduzir o desequilíbrio nas relações entre capital e trabalho.

A sombra da pejotização não pode obscurecer a luta histórica por um futuro do trabalho mais justo e equitativo.

  • Sidnei Machado é advogado e professor de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestrado e doutorado em Direito pela UFPR, pós-doutorado em Paris, França. Há quase três décadas atua na advocacia, é sócio fundador do escritório, em Curitiba PR, que leva seu nome, dedica-se à advocacia de alta especialização. Além da atividade docente na universidade, também atua na pesquisa acadêmica nas áreas de Direito e Sociologia. 
  • Texto originalmente publicado pelo site Plural https://www.plural.jor.br/

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