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Punição, denúncia e orientação são primordiais contra abuso de crianças e adolescentes

O exemplo é de Pernambuco, mas serve para todo o Brasil!

Texto de Ivone Veloso

Abuso e exploração sexual são crimes hediondos o que os torna inafiançáveis e insuscetíveis de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória. Além disso, “caso o estupro seja praticado contra menor que tenha entre 14 e 18 anos (artigo 213, § 1º, do Código Penal), há aumento na pena do criminoso, que pode ir de 8 a 14 anos de reclusão. A mesma pena é aplicada caso o crime resulte em lesão corporal grave. Ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos implica no cumprimento de pena de reclusão de 8 a 15 anos.  Em caso do resultado ser morte, a pena é de 12 a 30 anos, segundo o Código Penal (CP).

De acordo com o CP, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei n. 13.431/2017 no abuso, a vítima é usada para satisfazer o desejo sexual das pessoas responsáveis pela agressão, por meio de ameaça ou sedução, podendo haver o contato físico ou não. Já na exploração sexual, há uma relação de troca, seja financeira, de favores ou de presentes, podendo também compreender o incentivo à prostituição, à pornografia infantil, à escravidão e ao turismo sexual.

Segundo dados divulgados, em maio deste ano, pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, no ano de 2022, foram registradas 1.130 ocorrências de vítimas de crimes contra a dignidade sexual, de crianças de 0 a 12 anos de idade. No ano de 2023, até o momento, foram contabilizadas 319 ocorrências. O número pode ser muito maior já que muitas crianças e adolescentes não registram a ocorrência, por receio de manipulação e do medo impostos pelos (as) agressores (as).

O Disque 100 registrou mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro primeiros meses de 2023. O aumento é de 68% em relação ao mesmo período do ano passado, há maior participação da sociedade na mobilização e denúncia. A casa da vítima, do suspeito ou de familiares é o pior cenário, com quase 14 mil violações. Ainda, segundo registros, no período de janeiro a dezembro de 2021, foram contabilizados pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH) mais de 18 mil registros somente em termos de violência sexual.

Com o objetivo de ampliar a proteção de crianças e adolescentes vítimas não só desse tipo de violência, mas também de qualquer crime e atos infracionais durante o registro da ocorrência e da denúncia, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) instalou, no dia 3 de maio deste ano, o Ceavida, no Centro Integrado da Criança e do Adolescente (CICA), localizado na Rua João Fernandes Vieira, 405, no bairro da Boa Vista.

O Ceavida tem por finalidade, a partir da assessoria jurídica e dos esclarecimentos jurídicos sobre o processo, o encaminhamento da vítima para a rede protetiva. O Centro visa ainda o acolhimento com zelo das vítimas e de familiares, prestando esclarecimentos sobre questões jurídicas do processo e promovendo o encaminhamento para serviços da rede de proteção, que envolve atendimento médico, assistências social e psicológica, dentre outros.

“A política de proteção às vítimas e aos seus familiares com uma visão intersetorial, profissional e jurídica da tramitação dos processos, já que em regra as vítimas e seus familiares em regra não são assistidos por um assistente de acusação porque não têm condições financeiras de contratar um advogado particular, é essencial. Então, orientamos que eles têm esse direito de contratar esse serviço por meio da Defensoria Pública. Quando falamos em acompanhamento intersetorial, engloba também acompanhamento médico e psicológico, caso sejam necessários. Temos também a assistência social da Rede Protetiva. Muitas vezes são famílias vulneráveis socialmente que aqui chegam, então esse trabalho é uma quebra de paradigmas porque teremos também a assistência às famílias dessas crianças e adolescentes no TJPE”, pontuou a coordenadora da Infância e Juventude, juíza Hélia Viegas a partir desse trabalho.

Início – O pioneirismo da ação sobre essa escuta no TJPE, veio com a implantação das salas de depoimento acolhedor, utilizadas também atualmente em todo o estado de Pernambuco durante o trâmite judicial. A primeira criada, na capital, em 2010, em parceria com a Childhood Brasil. As outras quatro foram inauguradas entre os anos de 2014 e 2020. O Depoimento Acolhedor Itinerante foi inaugurado em novembro de 2018, sendo este um ônibus adaptado conforme layout da Sala de Depoimento Acolhedor da Capital, que tem o objetivo de garantir às crianças e adolescentes, residentes nas comarcas interioranas, um atendimento também protetivo e humanizado.  Na prática, crianças e adolescentes são ouvidos por profissionais devidamente especializados em técnica científica de coleta de testemunho. As Salas de Depoimento Acolhedor são espaços criados para que crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sejam ouvidos em juízo, de forma protetiva e não revitimizante, em uma sala com um ambiente acolhedor, especialmente projetada para esse tipo de escuta.

A coordenadora da Infância e Juventude, Hélia Viegas, destaca a essencialidade da denúncia. “Punir os agressores e abusadores, inclusive para desestimular futuros abusos e práticas de exploração sexual é fundamental. Por isso, a Infância e Juventude, em parceria com a Secretaria de Defesa Social e o Ministério Público de Pernambuco, tem investido em salas apropriadas para que essas denúncias sejam realizadas de forma eficaz, de forma que não constranja a criança ou o adolescente, e que de fato eles consigam dar um testemunho correto. Além disso, a denúncia e a responsabilização dos agressores a partir dessas denúncias também é um instrumento para coibir tais violações”, explica a magistrada.

No TJPE há também o Centro de Referência Interprofissional na Atenção a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência da Capital (Criar), que tem, dentre outros objetivos, desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, de acordo com a Lei 8.069/90 e o Código de Ética de cada profissional, com as crianças e adolescentes vítimas de violência, bem como com as suas famílias. O Centro tem também como propósito Implementar, executar e acompanhar planos, programas e projetos voltados à consecução dos objetivos no combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Para mais informações, o contato do Criar é (81) 3181-5940 ou acesse o site do serviço AQUI.

Diálogo e prevenção

Devido à falta de diálogo sobre o assunto na sociedade, seja na família ou na escola, muitas crianças e adolescentes participam de atividades que violam sua dignidade. Muitas delas, inclusive, sequer percebem a situação abusiva às quais estão sendo submetidas, pois como estão em desenvolvimento não possuem a devida maturidade. Por isso, um dos passos mais importantes para combater esse tipo de violência é conversar sobre o tema, utilizando o entendimento adequado para cada idade.

“Na família, como ação preventiva, assim como se ensina às crianças sobre várias coisas ou situações que podem significar risco a sua segurança, também é importante que algumas informações, orientações sejam dadas a elas desde muito pequenas, sem precisar adentrar muito no tema, pois não vamos conversar sobre questões mais aprofundadas da sexualidade com uma criança de 2, 3, 4 quatro anos de idade. Devemos conversar com as crianças e adaptar essas falas ao nível de desenvolvimento de cada uma delas, facilitando a compreensão das informações, sempre que possível, através de exemplos e que estes sejam adequados a casa fase”.”, explica a assistente social do Depoimento Acolhedor do TJPE, Andréa Paiva. De acordo com ela, pode-se ensinar o nome das partes do corpo, conforme o nível de compreensão, o nome das partes íntimas e que estas são partes privadas do corpo de cada pessoa, orientando a criança ou o (a) adolescente a contarem a um adulto/pessoa de confiança se alguém tocar nestas partes. A mesma orientação deve ser dada às crianças e adolescentes para situações em que alguém peça que elas a toquem, assim como se pedirem segredo sobre algo que tenha acontecido.

Assim como o diálogo, outro fator muito relevante é o apoio à pessoa agredida, que precisa sentir segurança, por parte de quem a escuta, para que se sinta à vontade em contar a agressão que está sofrendo. A assistente social destaca a importância de observar mudanças nos padrões de comportamentos dos(as) adolescentes e crianças. “Ao perceber os sinais e sintomas é importante intervir de forma protetiva, colocando-se à disposição da criança ou adolescente para acolhê-lo(a) e ajudá-lo(a), tendo muito cuidado ao conversar com a vítima, caso ela revele a violência sexual, evitando-se perguntas sugestivas, constrangedoras, que emitam juízos de valor”, esclarece Andréa.  “Tendo indicativos de ocorrência da violação de direitos, é importante que os órgãos competentes sejam acionados, pois existem profissionais capacitados para esse atendimento. No entanto, é relevante que as ações interventivas sejam feitas de forma adequada, discreta, sem expor a criança/adolescente, com foco na proteção e obedecendo aos normativos legais vigentes”, completa.

Além da questão sexual, é preciso ressaltar o comprometimento psicológico sofrido por essas crianças e adolescentes que muitas vezes se sentem culpados (as) e envergonhados (as), pois acreditam que fizeram algo que contribuísse para a situação. É imprescindível salientar que o comprometimento psicológico vai muito além da culpa e da vergonha, já que o abuso e a exploração sexual trazem consequências para a vida adulta como a dificuldade de ligação afetiva e amorosa; dificuldades em manter uma vida sexual saudável; tendência a sexualizar demais os relacionamentos sociais; e dependência de substâncias lícitas e ilícitas, por exemplo.

Tão fundamental quanto o diálogo sobre a violência e o abuso sexual, e o apoio, é a denúncia. É através desta última que os casos são devidamente registrados e os (as) agressores (as) são julgados (as) e punidos(as).  O dia 18 de maio foi escolhido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em memória a Araceli Cabrera Crespo. Ela foi raptada, drogada, estuprada e morta no dia 18 de maio de 1973, aos oito anos de idade, por jovens da classe média alta da cidade de Vitória, no Espírito Santo.

Confira algumas dicas para combater e prevenir o abuso e o assédio sexual:

  • Observe o comportamento da criança com outras pessoas;
  • Mantenha um diálogo educativo e sincero com a criança;
  • Mostre que você acredita nela e que não precisam existir segredos entre vocês;
  • Dê todas as informações possíveis, respeitando a fase de desenvolvimento e o nível de compreensão de cada criança;
  • Utilize recursos lúdicos para falar sobre o assunto (livros, filmes, músicas);
  • Ensine o nome das partes do corpo, dizendo quais são as partes privadas;
  • Indique os tipos de brincadeiras, toques e carinhos permitidos e proibidos;
  • Explique sobre os tipos de violência;
  • Diga a quem a criança deve pedir ajuda ou denunciar a violação de um direito;
  • Controle os sites e as redes sociais que a criança/adolescente acessa, bem como os vídeos a que assiste;
  • Procure conhecer as brincadeiras, pois elas podem ter algum caráter abusivo;
  • Diga a criança que ninguém deve fotografar suas partes íntimas;
  • Crie uma palavra “código” para a criança usar quando se sentir insegura ou com medo.

Como denunciar:

Disque 100 – Vítimas ou testemunhas de violações de direitos de crianças e adolescentes podem efetuar a denúncia através do Disque 100, serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A ligação é gratuita, funciona 24 horas e pode ser feita de qualquer parte do Brasil, todos os dias da semana. Também é possível realizar a denúncia pelo site. Nos dois casos há a possibilidade do anonimato.

Conselho Tutelar – Deve ser acionado nos casos de violência, inclusive por familiares, de ameaça ou humilhação por agentes públicos, e de atendimento médico negado. O Conselho Tutelar é um dos órgãos de proteção e também recebe denúncias de violações dos direitos das crianças e adolescentes.

Disque 180 – Em casos de violência contra mulheres e meninas, seja violência psicológica, física, sexual causada por pais, irmãos, filhos ou qualquer pessoa. O serviço é gratuito e anônimo.

Polícias – A Polícia Militar deve ser acionada em casos de necessidade imediata ou de socorro rápido. O número 190 recebe ligações de forma gratuita em todo o território nacional. Também é possível acionar as Delegacias Especializadas de Proteção à Criança e ao Adolescente. A Polícia Civil e a Rodoviária podem ser acionadas através dos números 197 e 191, respectivamente.

Safernet Brasil – A rede recebe denúncias de cyberbullying e crimes realizados em ambiente online. As denúncias podem ser feitas por meio do site https://new.safernet.org.br/

Ministério Público – Os promotores de Justiça são fortes aliados do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Todo Estado conta com um Centro de Apoio Operacional (CAO), que pode e deve ser acessado na defesa e garantia desses direitos.

Proteja Brasil – O aplicativo gratuito permite a denúncia, a localização dos órgãos de proteção nas principais capitais e traz informações sobre as diferentes violações. As denúncias são encaminhadas diretamente para o Disque 100. O aplicativo também recebe denúncias de locais sem acessibilidade, de crimes na internet e de violações relacionadas a outras populações em situação vulnerável.

Ivone Veloso é integrante da Ascom TJPE

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