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Em Singapura, restaurante serve carne cultivada em laboratório

Matéria publicada pelo site da BBC Brasil revela que já se começa a produzir carne de laboratório. Parece frango, tem gosto de frango. O produto consegue ser ético, limpo e ecológico, sem abrir mão do sabor. É o que publicou Nick Marsh Role, correspondente de Negócios da BBC na Ásia.

Eu jamais imaginaria que o pedaço de carne que está na minha frente não veio de uma fazenda. Mas ele foi feito em um laboratório, em uma propriedade industrial, a alguns quilômetros de distância.

Estou no Huber’s Butchery and Bistro, em Singapura, o único restaurante do mundo a oferecer o que se chama de “carne de cultura” no cardápio.

A resposta dos clientes tem sido “fenomenal”, de acordo com o proprietário do restaurante.

A criadora da carne, a empresa californiana Eat Just, garante que seu produto consegue ser ético, limpo e ecológico, sem abrir mão do sabor.

Bilhões de dólares estão sendo investidos nesse setor, mas há grandes dúvidas sobre sua viabilidade a longo prazo.

Desde que o primeiro hambúrguer produzido em laboratório foi apresentado em Londres, em 2013, uma criação que custou impressionantes US$ 330 mil (R$ 1,8 milhão), dezenas de empresas em todo o mundo se juntaram à corrida para comercializar carne cultivada em laboratório a preços razoáveis.

Até agora, apenas a Eat Just conseguiu que seu produto fosse aprovado para venda ao público depois que os reguladores de Singapura, o único país do mundo que permite a venda desse tipo de carne, deram luz verde ao seu frango em dezembro de 2020.

Essa parceria durou alguns meses e, neste ano, o Huber’s começou a oferecer ao público em geral um sanduíche de frango e um prato de macarrão com frango, embora apenas uma vez por semana.

“Carne cultivada é carne de verdade, mas você não precisa abater um animal”, disse Josh Tetrick, executivo-chefe da Eat Just, que falou à BBC de São Francisco. “Esta forma de comer faz sentido para o futuro.”

Ao contrário dos substitutos à base de plantas, a carne cultivada é literalmente carne. O processo envolve a extração de células de um animal, que são alimentadas com nutrientes como proteínas, açúcares e gorduras.

As células podem então se dividir e crescer, antes de serem colocadas em um grande biorreator de aço, que funciona como um tanque de fermentação.

Depois de quatro a seis semanas, o material é “colhido” do biorreator e adiciona-se alguma proteína vegetal. Em seguida, é modelado, queimado e impresso em 3D para obter a forma e a textura necessárias.

As tiras de frango frito no meu prato com macarrão orecchiette certamente tinham gosto de frango normal, embora um pouco processado.

Talvez o tipo de frango que você comeria em um restaurante de fast food.

“É carne, é perfeita!”, disse Caterina, uma estudante italiana que veio aqui especialmente para experimentar o frango criado no laboratório.

Normalmente, por questões de sustentabilidade, eu não comeria carne, mas Caterina garantiu que eu comeria isso.

Sua única objeção? O frango é servido com macarrão, o que não costuma acontecer na Itália.

Outro cliente em Singapura disse que ficou surpreso com o fato de o frango de laboratório parecer tanto com carne de verdade.

“É legítimo”, disse ele. “Eu não saberia de onde veio. Minha única preocupação seria o custo.”

O prato de macarrão com frango que pedi custou US$ 13,70 (R$ 65,91, na cotação atual), mas está com um grande desconto em relação ao custo de produção dessa carne.

A Eat Just não diz exatamente quanto gasta para fazer seu frango, mas a capacidade de produção da empresa é atualmente de 3 kg por semana em Singapura.

Quando você compara isso com os 4.000 a 5.000 kg de frango convencional vendidos semanalmente apenas na Huber’s, você tem uma ideia da escala da tarefa que a empresa enfrenta.

Simplificando, eles precisarão aumentar massivamente a produção para evitar perdas em cada porção de frango.

A Eat Just observa que já alcançou uma redução de 90% nos custos desde 2018. A empresa me levou para um tour por sua nova unidade de produção multimilionária em Singapura, que espera abrir em 2024.

O par de biorreatores de aço brilhante de 6.000 litros é certamente um sinal de que a intenção existe, mas é uma pequena fração das milhões de toneladas de frango que precisam ser produzidas para se igualar ao preço atual do frango tradicional.

A indústria implora por paciência, mas muitos cientistas dizem que já viram o suficiente.

“A narrativa que essas empresas apresentam é muito forte”, disse Ricardo San Martín, codiretor do Alt: Meat Lab, da Universidade da Califórnia (UC) em Berkeley.

“Mas você tem que contrastar esse discurso com a ciência”, acrescentou. “Faça as contas, olhe para cada artigo científico escrito por especialistas independentes e você verá que a resposta é clara.”

“Você pode fazer isso, em escala, a um custo razoável? Não. Você pode falar sobre salvar o mundo com isso? Novamente, não. Essas empresas precisam ser honestas. Isso é uma ilusão.”

Não há apenas dúvidas sobre a possibilidade de aumentar a produção. Também há incerteza sobre as credenciais verdes da indústria, que foram questionadas pelos cientistas.

Em teoria, reduzir a dependência da terra e do gado para a produção de carne deveria reduzir as emissões de carbono. Mas, por enquanto, a tecnologia necessária para criar carne cultivada em laboratório requer tanta energia que anula qualquer benefício.

Um estudo da Universidade da Califórnia em Davis chegou a estimar que o processo produz entre 4 e 25 vezes mais dióxido de carbono do que a carne comum. No entanto, a East Just chama esse estudo de “problemático”.

Quando questionada pela BBC se todo o projeto poderia falhar, Josh Tetrickz, do Eat Just, respondeu: “Claro”.

“Fazer carne dessa maneira é necessário e muito incerto”, disse ele.

“Não é fácil. É complicado. Não é garantido e pode não funcionar. Mas a outra opção para nós seria não fazer nada. Então decidimos apostar e tentar.”

Muitos investidores decidiram fazer a mesma aposta. Estima-se que US$ 2,8 bilhões (R$ 13,47 bilhões) tenham sido investidos até agora este ano no desenvolvimento da carne de laboratório.

No entanto, tentar tornar a carne cultivada artificialmente mais do que uma alternativa de nicho para os ricos do mundo desenvolvido dependerá de investimentos de empresas privadas. E pode não ser suficiente.

Os governos, observou Tetrick, precisarão investir “uma quantia significativa de dinheiro público” em carne de laboratório para que ela possa competir com a carne convencional.

“É como fazer a transição para energia renovável… É um projeto para toda a vida, talvez um projeto para várias vidas”, disse ele.

Até agora, nenhum país exceto Singapura autorizou a venda de carne cultivada artificialmente, muito menos se comprometeu com qualquer grande investimento.

De acordo com Ricardo San Martín, da UC Berkeley, o financiamento público e privado para empresas de carne de laboratório vai secar se essas empresas não “se olharem no espelho” em breve e apresentarem previsões realistas aos investidores.

“A menos que haja um caminho claro para o sucesso em algum momento no futuro, investidores e governos não vão querer gastar dinheiro em algo que não seja cientificamente comprovado.”

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