A Comissão Mista do Congresso que discute a Medida Provisória que trata do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) mantem a portabilidade na lei que altera as regras do vale-alimentação e refeição, contrariando a recomendação do governo, e atribuiu ao Banco Central a responsabilidade sobre o tema.
Criado há quase 50 anos, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) deve passar por transformações. Em setembro do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a Lei 14.442, que modificou trechos da legislação do PAT e instituiu a portabilidade do cartão de benefícios de alimentação. Essa lei permitirá ao funcionário de uma empresa escolher a gestora de seu Vale-Refeição (VR) e Vale-Alimentação (VA). Hoje, essa tarefa cabe ao departamento de RH do empregador.
Mecias de Jesus decide
Na última quarta-feira (9/8), o relator da MP do PAT, senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), apresentou seu parecer, mantendo a portabilidade – com a ressalva de que acordos ou convenções coletivas entre sindicatos e empresas poderão vetar a medida. O texto foi aprovado por uma comissão mista do Congresso e ainda terá de passar pela Câmara e pelo Senado. Atualmente, o PAT beneficia cerca de 24 milhões de brasileiros, dos quais 20 milhões recebem até cinco salários mínimos.
A lei deveria ter sido regulamentada até o dia 1º de maio de 2023, o que não ocorreu – o Ministério do Trabalho e Emprego alegou que não houve tempo hábil para que as novas regras fossem colocadas em prática. Uma Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prorrogou esse prazo em um ano, para 1º de maio de 2024. A comissão mista, por sua vez, decidiu ampliar o prazo para 31 de dezembro de 2024.
Há controvérsias
No debate sobre a portabilidade do VR e do VA, é travada uma disputa que colocou em lados opostos empresas e algumas das mais importantes associações do setor. O mercado de cartões de benefícios, que movimenta algo em torno de R$ 150 bilhões por ano, hoje é dominado por quatro grandes redes: Alelo, Ticket, Sodexo e VR, que são contrárias à portabilidade. Além delas, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) também se opõe à medida.
Do lado oposto, favoráveis à portabilidade, estão companhias de entrega de refeição on-line (como o iFood, que já tem cartão de benefícios), bancos digitais (como o Nubank) e empresas de pagamentos. Elas são representadas pela Zetta, uma associação fundada por empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros digitais.
“O que a portabilidade faz é tirar o poder de escolha do benefício das mãos do departamento de RH e passar para o trabalhador”, afirma Lucas Pittioni, vice-presidente jurídico do iFood. “Uma vez que o trabalhador esteja no centro da política pública, é ele quem escolherá qual empresa de benefício receberá o seu saldo. A empresa que tiver a maior rede credenciada estará em uma boa posição para oferecer o seu produto.”
Para Fernanda Laranja, vice-presidente da Zetta, a portabilidade do VR e do VA vem para “corrigir um equívoco em uma política pública que foi criada para o trabalhador e que, ao longo dos anos, se desvirtuou de sua finalidade inicial”. “A portabilidade dará ao trabalhador a gerência e o poder de escolher onde ele quer ter a administração do benefício que recebe. Com o passar dos anos, houve uma alteração nessa funcionalidade e o poder passou para as empresas”, diz.
Gera dificuldade
Segundo o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, a possibilidade de o funcionário escolher a empresa fornecedora de seu cartão de alimentação pode fazer com que o próprio consumidor seja prejudicado na ponta da linha, com preços mais altos nos restaurantes.
Isso porque, para Solmucci, a portabilidade levaria a uma “guerra de cashbacks” oferecidos pelas empresas que desejam entrar no mercado de cartões de refeição. O “cashback” (“dinheiro de volta”, em inglês) é um modelo de recompensa por meio do qual o consumidor recebe de volta parte do valor gasto ao comprar algum produto ou serviço, após o pagamento integral cobrado por uma empresa.
“Esse sistema induzirá uma concorrência cujo custo de aquisição para o cliente vai ser cada vez maior. Como dinheiro não nasce em árvore, a empresa que oferece essa vantagem para o trabalhador não vai absorver esse custo. Será repassado para o restaurante, que, por sua vez, terá de subir os preços. O restaurante sofrerá e os clientes também, porque os preços no cardápio vão subir”, afirma Solmucci. “No fim das contas, a portabilidade gera zero benefício para o trabalhador e massacra o setor de bares e restaurantes, que tem de repassar esse custo para o cardápio.”
Pittioni diz que as alegações da Abrasel causam “estranheza”. “O que estamos buscando é reduzir taxas que já são altas. A preocupação da Abrasel me parece completamente desconectada da realidade atual do setor. No modelo atual, já temos taxas que chegam a ser o triplo das taxas cobradas pelos cartões de crédito e débito”, afirma.
Caso a portabilidade seja sacramentada, diz o presidente da Abrasel, o mercado seria praticamente dominado pelo iFood. “Corremos o risco de ficarmos reféns de um quase monopólio do iFood, que tem mais de 80% do mercado. Em várias cidades brasileiras, só tem o iFood. Isso tudo nos leva a um ambiente que lesa a concorrência de forma muito forte”, diz.
Fonte: Metrópoles