O artigo de Marcos Lisboa, publicado na Folha de S. Paulo, lança luz sobre uma engrenagem pouco transparente do financiamento público brasileiro: o Sistema S. Criado com propósitos nobres — formação profissional, cultura e lazer — o sistema hoje movimenta bilhões de reais por meio de tributos incidentes sobre a folha de pagamento. Embora recolhidos pelas empresas, esses encargos são, na prática, suportados pelos trabalhadores formais, que veem seus salários comprimidos e enfrentam um mercado de trabalho cada vez mais inclinado à informalidade.
Em 2024, o Sistema S arrecadou cerca de R$ 33 bilhões, valor equivalente a aproximadamente 0,3% do PIB brasileiro. Para se ter uma ideia, esse montante representa mais da metade dos recursos destinados ao Programa Bolsa Família em 2016, que foi de R$ 28,5 bilhões. A carga tributária total do país atingiu 34,24% do PIB em 2024, sendo que os tributos parafiscais — como os destinados ao Sistema S — cresceram discretamente, mas continuam pesando sobre a contratação formal.
O ponto mais inquietante levantado por Lisboa é a transferência de parte desses recursos para entidades patronais, como a CNC e a Fiesp. Trata-se de uma inversão curiosa: tributos que oneram o trabalhador acabam financiando estruturas que representam os interesses dos empregadores. A falta de transparência contábil, apontada pelo Tribunal de Contas da União, agrava o problema. Sem critérios claros, os recursos públicos se misturam aos privados, dificultando a fiscalização e abrindo margem para usos questionáveis — como a aquisição de imóveis milionários para uso de dirigentes sindicais.
Esse arranjo revela um paradoxo institucional. O Sistema S, que deveria servir ao interesse público, opera com lógica privada e pouca prestação de contas. A ausência de mecanismos de controle e de segregação contábil não é apenas uma falha técnica: é um sintoma de captura institucional, onde interesses corporativos se sobrepõem ao bem comum.
É urgente repensar esse modelo. A transparência não pode ser opcional quando se trata de recursos públicos. A sociedade precisa saber quem se beneficia dos tributos que paga — e por que. Reformar o Sistema S não significa desmontá-lo, mas resgatá-lo para o interesse coletivo, garantindo que sua atuação esteja alinhada com os princípios republicanos de eficiência, equidade e responsabilidade.
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