Os defensores do liberalismo econômico utilizam a expressão “menos Estado” para justificar reformas que não reduzem o poder estatal, mas reconfiguram seletivamente as funções do Estado. O objetivo é enfraquecer sua atuação nas áreas de proteção social e redistribuição de renda, enquanto se mantêm e fortalecem seus mecanismos de garantia da propriedade privada, repressão social e proteção dos contratos.
Na prática, o Estado se torna mínimo para os trabalhadores e máximo para os ricos (que detém a propriedade privada dos meios de produção). A retirada de investimentos em saúde, educação, moradia e direitos trabalhistas ocorre ao mesmo tempo em que se mantêm subsídios a grandes empresas, renúncias fiscais e apoio institucional ao mercado financeiro. O Estado se formaliza como neutro, mas se orienta funcionalmente aos interesses da classe dominante, conforme descrito por teóricos como Poulantzas.
No campo tributário, essa assimetria se acentua. Sistemas regressivos, como o brasileiro, concentram a arrecadação nos impostos sobre o consumo, penalizando a população de baixa renda. Enquanto isso, lucros e dividendos de grandes corporações são isentos, e o capital financeiro é beneficiado por mecanismos legais que protegem sua acumulação. Assim, a base da população financia o Estado, que pouco ou nada lhe retorna.
Esse mecanismo configura uma forma moderna de servidão fiscal. O trabalhador contribui com sua renda para sustentar um aparelho estatal que não o atende, mas que protege ativamente os interesses do capital. Isso é tanto exploração no mercado como também de espoliação mediada pelo próprio Estado.
Gramsci destacou que a dominação não se sustenta apenas pela coerção, mas também pelo consentimento. O discurso liberal atua nesse sentido: apresenta as medidas de austeridade e a retirada de direitos como técnicas neutras e inevitáveis. Com isso, despolitiza a desigualdade e naturaliza o empobrecimento.
O liberalismo não extingue o Estado. Ele o captura e o transforma em um instrumento de gestão da desigualdade. O Estado deixa de ser um mediador entre interesses sociais diversos e passa a atuar como fiador da ordem econômica vigente. Ele arrecada dos trabalhadores para manter a estabilidade exigida pelos ricos.
Para reverter esse quadro, é necessário disputar o sentido do Estado. Resistir à austeridade é apenas o primeiro passo. A tarefa política é reconstruir um Estado orientado ao bem comum, que retorne à população aquilo que dela arrecada. Onde houver servidão fiscal, não haverá cidadania plena.
- Cláudio Siqueira é jornalista iguaçuense e escreve no H2FOZ, com publicações diárias no WhatsApp, editor de vídeos e designer.
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