Senadores que integram a CPI da Pandemia consideraram irresponsável a divulgação, como se fosse um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), de documento privado elaborado pelo auditor do órgão, Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques. O texto — “inconclusivo, superficial e bem embrionário”, nas palavras do auditor — questionava o número de mortes por covid no Brasil e foi enviado ao presidente da República, Jair Bolsonaro, que o divulgou. Ouvido pela comissão de inquérito nesta terça-feira (17), Marques disse que compartilhou o texto com seu pai, o coronel da reserva Ricardo Silva Marques. Este, por sua vez, o teria remetido para o chefe do Poder Executivo. No dia seguinte, 7 de junho, Bolsonaro, mencionou o texto de Marques, que logo se espalhou pelas redes sociais, como sendo um relatório do TCU.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que, além de conter informações erradas, o relatório de Alexandre Marques também foi falsificado na Presidência da República para divulgação na internet. O depoente disse ter ficado indignado com o discurso de Bolsonaro, considerando a declaracao “totalmente irresponsável” ao atribuir ao TCU a responsabilidade por um documento que não era oficial. Alexandre disse que o compartilhou o documento apenas na forma de uma conversa entre pai e filho falando sobre um tema trabalhado naquela semana.
— Não era uma instrução processual, não era nada do Tribunal de Contas da União. Achei irresponsável vincular o nome do TCU a duas páginas não conclusivas — afirmou o depoente, que reconheceu ter sido indicado para uma diretoria do BNDES, não tendo sido, no entanto, cedido pelo tribunal.
Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o documento e sua divulgação configuram a “digital de vários crimes”. A senadora afirmou que Bolsonaro cometeu crime comum e crime de responsabilidade ao tornar público documento claramente manipulado.
— Agora temos a digital, a materialidade dos crimes cometidos — disse Simone Tebet, observando ainda que o auditor não ouviu médicos nem o IBGE e tentou imputar sua própria tese à realidade. Ela também apontou que a tabela de Marques não continha nenhuma consistência técnica do ponto de vista dos dados estatísticos.
Bajulação
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) questionou as intenções de Marques ao elaborar o estudo que, segundo o auditor do TCU, seria um compilado de informações públicas em formato word, com dados retirados do Portal da Transparência de Registro Civil, sem cabeçalho ou timbre do tribunal. Aziz considerou irresponsável que um documento, sem caráter de oficialidade, tenha sido enviado ao presidente da República e disse que as atitudes de Marques e do pai dele foram um desserviço à sociedade.
— O nome disso é bajulação, querer prestar serviço sem confirmar se aquele documento é verdadeiro ou não. Teu pai bajulando o presidente. Eu queria ver essa conversa. Devem ter aberto um champanhe. Até parece que a dor intransferível foi festejada. Há irresponsabilidade dos três. Você, por fazer um documento com números que parecem brincadeira, passando para seu pai que, imediatamente, de um dia para o outro, repassa ao presidente — criticou.
O material elaborado por Alexandre Marques foi usado por Bolsonaro em discursos nas redes sociais, levando o TCU a desmentir as informações de imediato. Em seguida, o presidente da República admitiu que o documento que divulgara não era um relatório feito pelo tribunal. Apesar de negar que tenha qualquer relação com a família Bolsonaro, Alexandre Marques reconheceu que seu pai, Ricardo Marques, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras e que trabalharam juntos no Exército.
Na opinião do vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), as informações prestadas por Alexandre Marques demonstram uma “obsessão macabra” do governo para minimizar e esconder o número de mortes pela pandemia de coronavírus no país. Segundo o parlamentar, campanhas da Secretaria de Comunicação da Presidência tinha objetivo de subestimar os dados sobre os óbitos. Randolfe exibiu vídeo no qual o próprio Bolsonaro, em transmissão pelas redes sociais em 1.º de julho, reconhece que editou a tabela do documento feito pelo auditor do TCU.
— Uma busca insensata para obscurecer, esconder o número de brasileiros mortos, quando se, ao invés disso, o mais importante não fosse combater a pandemia. Chega a ser uma obsessão macabra e uma obsessão que vem de antes, conforme podemos ver. Presidente chegou ao ponto de incentivar as pessoas a invadir hospitais, ou seja, não bastasse os que estavam lá internados, incentivar outras pessoas a se submeterem ao risco de mais contaminação — declarou o senador.
Alterações
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) negou que o documento de Marques tenha sido adulterado pela presidente da República. Ele obteve do depoente a confirmação de que as únicas alterações em seu documento em relação ao apresentado por Jair Bolsonaro foram os grifos no texto e o acréscimo de um cabeçalho com o nome do Tribunal de Contas da União.
— Se erros aconteceram vamos apurar, na medida da culpa de cada um. Eu não estou aqui para dizer que o presidente acertou 100%. Não. Mas talvez a CPI erre mais, por fazer uma investigação seletiva — disse o senador, segundo o qual governadores, prefeitos e Poder Executivo erraram na condução da pandemia por serem “humanos e falíveis”, mas a comissão de inquérito tem sido omissa nas apurações sobre responsabilidades. Para ele, há suspeitas graves de corrupção e desvios de recursos nos estados que os senadores se recusariam a investigar.
O senador Humberto Costa (PT-PE) observou que o Código de Ética do TCU prevê a obrigação de neutralidade dos servidores no exercício profissional em relação a influências político-partidárias. O parlamentar avaliou que a ação de Alexandre Marques poderia ter colocado prefeitos e governadores em conflito com o governo federal, bloqueando medidas que impedissem a disseminação da pandemia. E disse que a informação compartilhada pelo auditor contribuiu para reforçar o discurso “negacionista” do presidente, “ainda que involuntariamente”.
— No meu estado, onde essa extrema direita primária não tem tanta força, muita gente teve dificuldade. Prefeitos, governadores tiveram dificuldade de implementar medidas preventivas para evitar a disseminação da covid-19, porque o negacionismo atrapalhava. O discurso era esse: “Não morreu tanta gente, é mentira; estão dizendo que morreu tanta gente para receber mais dinheiro do governo federal; querem quebrar o país para prejudicar o presidente Bolsonaro” — analisou.
Habeas Corpus
Alexandre Marques contou com habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que o autorizou a ficar em silêncio em questões sobre fatos que poderiam incriminá-lo. Omar Aziz esclareceu que a decisão do STF apenas garantiria ao depoente o direito de não se comprometer, sem ele poder, no entanto, faltar com a verdade. O depoente não se recusou a dar respostas.
Fonte: Agência Senado