A América Latina, com mais de 620 milhões de habitantes em uma das regiões mais urbanizadas do planeta, durante várias semanas parecia – com base em dados oficiais – ter escapado do pior da pandemia. No total, os governos da região relataram cerca de 40.000 casos e 1.560 mortes.
Mas entrevistas com vários profissionais de saúde em seis países mostram o quadro de uma epidemia que – se ainda não está fora de controle – mostra um número muito baixo de testes e de casos subnotificados. Embora governos da Europa e dos EUA tenham sido criticados por não realizarem testes com rapidez suficiente, a falta de kits na América Latina é muito pior do que em países desenvolvidos e destaca os problemas enfrentados pelos governos enquanto todos competem para garantir suprimentos médicos.
Existem problemas em toda a região. Na Argentina, o governo acrescenta casos considerados negativos por meio de exames médicos aos confirmados por testes. E, na Venezuela, as diretrizes do governo ainda determinam que os testes sejam disponibilizados apenas para os que viajaram ao exterior ou tiveram contato com um caso suspeito ou confirmado.
Esses problemas reforçam o coro crescente de profissionais de saúde, segundo os quais o surto pode ser muito pior do que o imaginado.
Com mais de um terço das infecções da América Latina, o Brasil tem 13.700 casos confirmados, embora os testes correspondam a 258 pessoas por milhão, segundo o site de estatísticas Worldometer. O México ocupa o último lugar entre os maiores países, com apenas 159 testes por milhão.
Com base no que foi oficialmente divulgado, as curvas de crescimento não são tão agressivas quanto o acelerado aumento de casos na Itália, EUA e outros países. Elas também desmentem o que se sabe sobre um vírus que foi descrito como “insidioso” por causa da furtividade com a qual se espalha.
Corpos são abandonados nas calçadas da cidade portuária de Guayaquil, já que equipes de emergência encontram dificuldade para coletar os mortos. Gabriela Reyes disse que, na sexta-feira, ela e sua família não conseguiram que ninguém retirasse o corpo do tio, que morreu em 28 de março.
“Ele está na cama da minha avó, em um quarto refrigerado com ar condicionado”, disse por telefone.
A situação é agravada por problemas profundamente enraizados que atormentam alguns países da região há décadas: sistemas de saúde saturados, instituições frágeis e tendência a maquiar a divulgação de dados e estatísticas.
É possível que a epidemia na América Latina não esteja se comportando da mesma maneira do que em outras regiões. Também pode ser o caso de que quarentenas decretadas logo no início do surto tenham contido a propagação. Mas, sem mais testes e dados confiáveis, disseram os entrevistados, não há como ter certeza.
No Brasil, o Ministério da Saúde disse por e-mail no final da semana passada que o governo não poderia fornecer um número exato de quantos testes foram realizados, apenas que 54.000 dos kits RT-PCR, que são mais confiáveis, foram distribuídos. A distribuição é maior dos chamados testes rápidos que verificam anticorpos em vez do vírus e não são considerados tão precisos.
“Nossa capacidade de testar a população brasileira, de 210 milhões, está muito abaixo do necessário”, disse Eliana Bicudo, infectologista e consultora médica da Sociedade Brasileira de Infectologia.
No México, pelo menos 44 turistas americanos deram positivo após visitar Los Cabos, na Baja California, durante as férias de primavera. Mas a contagem oficial do estado na época era de apenas 18 casos.
Colômbia, Peru e Chile estão entre os países que lidam melhor com a crise. Carlos Enrique Trillos, epidemiologista e professor de medicina da Universidade do Rosário, em Bogotá, descreveu as informações divulgadas pelas autoridades como “rigorosas”.