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Cida Gugel alerta sobre inclusão de vítimas do trabalho análogo à escravidão

A vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, destacou, ao representar o Ministério Público do Trabalho (MPT), na abertura do Seminário pela Inclusão das Vítimas do Trabalho Análogo à Escravidão, que promover a inclusão de pessoas escravizadas é afirmar que o país não vai aceitar que ninguém enfrente essa realidade novamente. “Se uma estiver [escravizada], toda a nossa nação também estará. Este é o cuidado que observo na construção desse seminário. O mais eficaz para conter qualquer chaga ou qualquer desigualdade é conscientizar”, reiterou.

O seminário, aberto na noite desta quinta-feira (22/6), na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, se estendeu até hoje sexta-feira (23/6). A proposta é estabelecer o diálogo interinstitucional entre os agentes estatais que atuam no combate ao problema, com destaque para os seus principais desafios.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, destacou a importância de assegurar a todos o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e o desenvolvimento em uma sociedade fraterna e inclusiva. Ela afirmou que, há pouco tempo, foi surpreendida com notícias de um caso de trabalho análogo à escravidão em seu estado de origem, o Rio Grande do Sul, e destacou que a escravidão contemporânea é uma realidade que precisa ser enfrentada.

A ministra Rosa Weber também ressaltou que, em meio ao drama humano e social engendrado pelo trabalho degradante, as pessoas nele imersas e que retornam ao ciclo da escravidão contemporânea costumam viver em situação de extrema pobreza e de marginalização social. “Em geral, essas pessoas detêm baixo grau de instrução escolar e enfrentam enormes dificuldades de acesso a políticas públicas de educação, de moradia, de formação profissional e de saúde, entre outros direitos fundamentais”, esclareceu.

A coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (OIT), Maria Clara Falcão, elogiou o comprometimento do Judiciário na promoção de condições dignas de trabalho, e revelou que, em todo o mundo, são mais de 50 milhões de pessoas em situação análoga à escravidão. “Discutir e avançar na inclusão social dessas vítimas é fundamental se o Brasil quer realmente erradicar, de forma sustentável, casos análogos à escravidão”, pontuou.

Reinserção

O ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, representando o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes, afirmou que a realização do seminário torna evidente a necessidade de termos uma escuta ativa, qualificada, com empatia, e com humanização das práticas de identificação do combate ao trabalho escravo e de reinserção socio laboral das vítimas. “Segundo os dados do IBGE, no continente americano, o Brasil foi o país que mais recebeu pessoas nessa condição entre os séculos 16 e 19. Nesse período, vieram cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças, o equivalente a mais de um terço de todo o tráfico de pessoas escravizadas no período”, lembrou.

Vida pós-resgate

Agnaldo Barbosa, trabalhador rural e vítima de trabalho análogo à escravidão, resgatado em 2018, também contou sua história. O homem trabalhou por nove anos com a esposa e filhos em uma fazenda, recebendo apenas “feiras” e não salário, na região de Santa Cruz de Cabrália, na Bahia. Quando foi encontrado, estava doente. A mulher sustentava a família com trabalho obtido na cidade. Os filhos sofriam maus-tratos.

Por meio do Projeto Vida Pós-Resgate, ele quer realizar o sonho de seguir a vida na roça, produzindo alimentos para a própria subsistência. “Bebia água poluída do rio, sem geladeira, sem banheiro. Quando adoeci, meus meninos tinham de ‘bater’ veneno sem máscara, sem nenhuma proteção e não recebiam nada. Nem a feira o patrão dava mais, era uma situação muito difícil”, lembrou.

Atuação articulada

A palestra magna foi proferida pelo ex-procurador-geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo, em mesa composta também pela procuradora do Trabalho Carolina Mercante. Camargo de Melo foi um dos pioneiros no esforço para combater o trabalho análogo à escravidão no Brasil. Ele enfatizou que esse combate será efetivo apenas por meio da atuação articulada do Poder Público com a sociedade civil.

O ex-procurador-geral do Trabalho contou experiências que acumulou desde 1982, quando começou a atuar pelo resgate de trabalhadoras e trabalhadores submetidos a trabalhos forçados. Ao longo desse tempo, ele identificou avanços, como a edição da lei que prevê a utilização da ação civil pública entre os instrumentos de atuação do Ministério Público. Também reforçou a importância da construção de jurisprudência na temática. “Essa novidade trouxe para a Justiça do Trabalho a possibilidade de indenização de dano moral coletivo. Os valores eram pequenos, de menos de R$ 30 mil, e a reparação exigiria valores maiores. Mas foi possível firmar jurisprudência na Justiça do Trabalho e, depois disso, todas as ações em que se busca reparação prevê essa indenização”.

Camargo de Melo falou sobre a diversidade de leis nacionais e convenções internacionais que determinam parâmetros de atuação no combate ao trabalho análogo à escravidão, como a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A norma internacional estabelece que a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. “Às vezes o trabalhador se dispôs a fazer o trabalho, mas ele foi iludido e enganado.

Ele saiu em busca de algo que não tinha em seu local de origem”. Camargo de Melo reforçou que o papel da Justiça e do Ministério Público não é fechar estabelecimentos, mas sim regularizar a situação do trabalhador.

Entre as normas citadas, ele enalteceu a Constituição Federal brasileira e os artigos em que se prevê a defesa da dignidade humana, a proibição da tortura e do tratamento desumano e degradante e, ainda, a previsão de que a ordem econômica esteja fundada na valorização social do trabalho com a finalidade de assegurar, a todos, a existência digna, conforme ditames da Justiça Social.

Com informações do CNJ e MPT

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