Os PDLs 510/2020 e 511/2020 foram apresentados pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Humberto Costa (PT-PE), respectivamente, e relatados pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Na justificação, os autores apontam vícios legais e a motivação ideológica que permearam a edição da portaria, que seria apenas instrumento para excluir da lista de personalidades negras homenageadas aquelas que não se alinhem com o posicionamento político ideológico do governo Bolsonaro.
Além do senador Paulo Paim (PT-RS), foram excluídos da lista os nomes de Marina Silva, Milton Nascimento, Martinho da Vila, Gilberto Gil, Benedita da Silva, Zezé Motta, Leci Brandão, Sandra de Sá e Elza Soares, entre outras personalidades negras.
Ao justificar a exclusão dos nomes, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, disse que a Portaria 189/2020 atende à decisão que instituiu o critério de permitir apenas homenagens póstumas. Veja a lista completa dos excluídos.
Relatório
Em relatório lido em Plenário, Fabiano Contarato destacou a importância da Fundação Cultural Palmares, instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura, hoje com status de Secretaria Especial), foi criada em 1988. Ele ressaltou que o nome da instituição, fruto do movimento negro brasileiro, foi dado para homenagear e resgatar a memória de uma das maiores lideranças negras do Brasil: Zumbi dos Palmares – líder do Quilombo dos Palmares, um dos mais importantes símbolos de resistência contra o sistema escravocrata. Localizado na Serra da Barriga, Alagoas, o quilombo chegou a acolher cerca de trinta mil pessoas e perdurou por mais de um século.
— Sérgio Camargo, em sua triste fala, contaminada por ideologias eivadas de negacionismo histórico e alimentada por um ódio persecutório calcado em falácias e fantasias, menciona uma necessidade de “moralização” da lista. Ora, fica claro que sua ideia de moral está, no mínimo, míope. Somente um indivíduo contaminado pela torpeza e obtusidade intelectual se daria ao trabalho de remover da referida lista 27 personalidades referências de sucesso, de inspiração e de admiração de todos — afirmou Contarato, visivelmente emocionado, ao ler seu relatório.
Fabiano Contarato destacou que os projetos de decreto legislativo enquadram-se nas competências exclusivas do Congresso Nacional previstas nos incisos V e XI do artigo 49 da Constituição, segundo os quais incumbe ao Congresso Nacional “sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa” e “zelar pela preservação de sua competência legislativa”.
O relator afirmou que o Senado deve responsabilizar-se de forma crítica pelo sistema de opressão que privilegia historicamente as pessoas brancas em detrimento das pessoas negras. Segundo afirmou, falar sobre o racismo é trazer para o debate uma perspectiva histórica, já que o sistema opressor da escravidão se perpetuou no tempo e não permitiu que negras e negros tivessem as mesmas oportunidades que brancas e brancos.
— É por isso que, não obstante o Brasil seja composto majoritariamente por pessoas negras, totalizando 56,2% da população brasileira, esta Casa Legislativa, por exemplo, conta com pouquíssimos parlamentares negros em um universo de oitenta e um. A subrepresentatividade nos órgãos de poder é apenas uma das facetas do racismo estrutural. Assim, para dar voz a pessoas que estão subrepresentadas nesta Casa, somamos a este relatório a Manifestação Técnica, de 07 de dezembro de 2020, da Coalizão Negra Por Direitos, articulação que conta com mais de 170 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista de todo o Brasil — destacou.
Fabiano Contarato ressaltou que a Fundação Cultural Palmares já nasceu, portanto, com grande carga simbólica, e que seu papel é de extrema relevância para o Brasil.
— Sua finalidade é promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Ocorre que a Fundação Cultural Palmares tem sofrido grande revés desde a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para o cargo máximo da entidade. Décadas de história, relevância e contribuição têm sido destruídas em poucos meses — disse Contarato, que se emocionou ao ler o relatório, fazendo referência às pessoas excluídas da lista da Fundação.
Discussão
A aprovação do relatório de Fabiano Contarato foi saudada pelas lideranças partidárias. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o governo de Jair Bolsonaro tem conduzido o Brasil para uma polarização além do que a divergência política pode gerar, inclusive com o negacionismo científico e histórico.
— As pessoas que estão nessa lista continuam a dar contribuição em todos os aspectos ao Brasil. Qualquer homenagem que se presta à população negra será insuficiente. Foram mais de cinco milhões de negros e negras que saíram de sua pátria para viverem aqui no Brasil, nas condições mais terríveis de desigualdade para até hoje serem vítimas. A aprovação desse projeto nos dá a sensação de dever cumprido — afirmou.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou que os negros atuaram de forma aguerrida na Independência do Brasil e na formação do povo brasileiro.
— Será que esse diretor [da Fundação Cultural Palmares] tem uma história que possa dar no meio da bota do calcado do senador Paulo Paim, defensor dos direitos humanos, defensor dos trabalhadores, da luta pelo trabalho, da luta contra o racismo estrutural? Eu não acredito que um governo que queira ser democrático e que respeite as tradições culturais do Brasil, sobretudo daqueles que contribuíram pela independência do Brasil e lutaram tanto, possa mantê-lo no cargo — afirmou.
Ao defender o relatório, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse ser lamentável que no século 21 o Brasil não tenha superado o racismo com políticas públicas. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que a portaria editada por Sérgio Camargo distorce fatos históricos e esconde homenagens merecidas.
— Essa portaria é uma vergonha, um libelo de desqualificação subjetivo e persecutório, racismo com simbolismo. Racismo com portaria não passará no Senado — afirmou.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) destacou que há problemas terríveis no Brasil, mas que nenhum deles pode colocar-se acima da proteção e respeito à história de luta e igualdade.
— Não se pode reescrever a história com critérios ideológicos, a história se escreve com atos e práticas — disse.
O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) também saudou a aprovação dos decretos legislativos, mas lamentou que, em pleno século 21, ainda tivesse que “enfrentar uma situação constrangedora como essa”.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) também comemorou a aprovação do relatório de Contarato.
— Esse diretor [Fundação Cultural Palmares] quer (des)homenagear pessoas e ferir a democracia, pois não tem democracia com racismo. A maior ironia é que a maioria de nós somos negros — declarou.
Para a senadora Leila Barros (PSB-DF), o relatório “sensível e verdadeiro” apresentado por Fabiano Contarato corrige “a distorção de uma portaria “que é uma vergonha para todos os que contribuíram para a cultura brasileira”.
Na avaliação do senador Ney Suassuna (Republicanos-PB), a aprovação do relatório faz justiça ao Brasil.
— Todos nós temos sangue negro, e eu não entendo como alguém pode se posicionar de forma contrária — afirmou.
Avaliação política
Líder do governo, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) frisou que não discutiria aspectos técnicos da portaria e não a defenderia.
— Não cabe a mim trazer argumentos da revisão dos critérios para homenagens póstumas, o que cabe é fazer a avalição política do momento que vivemos. A aprovação dos decretos legislativos constitui uma posição política do Senado contra qualquer forma de racismo, que é uma chaga que atinge todos os países do mundo — afirmou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) elogiou o voto independente de Fernando Bezerra e aplaudiu o relatório de Contarato.
Paulo Paim, por sua vez, cumprimentou os senadores pela aprovação dos decretos legislativos.
— Um gesto irracional, essa portaria veio para se vingar de Ruy Barbosa [que queimou os nomes dos escravocratas] e da própria abolição da escravatura, embora ainda não conclusa, para negar a luta de séculos e séculos de um povo negro e suas referências — afirmou.
O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) afirmou que Sérgio Camargo não tomou a decisão de editar a portaria de forma isolada.
— O governo participou da decisão, no que tange às exclusões. Um lusco-fusco como esse Sérgio Camargo nunca ouviu Gilberto Gil, Milton Nascimento. Então ele não pode ser execrado sozinho. O governo participou dessas exclusões, essa é a realidade — afirmou.
Apoio à portaria
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi o único a defender o voto contrário aos dois projetos legislativos. Segundo ele, o presidente da Fundação Cultural Palmares agiu com “coragem e coerência”, argumentando que todos os homenageados pela Fundação tinham o mesmo posicionamento ideológico, não havendo entre eles “negros conservadores ou ditos de direita”. Ele classificou os projetos de decreto legislativo e o relatório de “peças ideológicas”.
— É óbvio que somos contra o racismo, mas o pano de fundo da discussão aqui não tem a cor da pele. O próprio Sérgio Camargo afirma que muitos dos homenageados excluídos voltarão à lista algum dia. O que ele faz é apenas estender à lista o critério póstumo. A lista não tem negros de direita porque o critério sempre foi político, ideológico — afirmou, mencionando dois nomes recentemente incluídos na lista de homenageados: o do Cabo Marcílio, militar da Força Expedicionária Brasileira, e do PM Luiz Paulo Costa, ambos já falecidos.
Fonte: Agência Senado