A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL) acolheu, por unanimidade, recurso ordinário de uma funcionária da Caixa Econômica Federal (CEF), mãe de um filho com transtorno do espectro autista (TEA), e determinou que o banco a transferisse da agência do município de Viçosa para uma de suas filiais localizadas em Maceió. O colegiado ainda reconheceu que a trabalhadora tem direito à redução de sua jornada de trabalho de seis para quatro horas, sendo-lhe assegurado o mesmo padrão salarial, sem diminuição ou compensação, bem como a sua manutenção na função de tesoureiro executivo durante o período de cinco anos.
O relator do processo, desembargador Pedro Inácio da Silva, salientou que a instituição bancária, em atenção ao princípio da função social da propriedade e da busca do pleno emprego, elencados no art. 170, incisos III e VIII, da Constituição Federal (CF), tem o dever de assumir posição de agente transformadora da sociedade, abstendo-se de práticas que possam prejudicar seus trabalhadores, os quais também participam da dinâmica empresarial.
Na petição inicial, a funcionária alegou que seu filho necessita de cuidados especiais em casa, além do acompanhamento diário para as terapias multidisciplinares, as quais despendem altos custos. Ainda argumentou que, enquanto trabalhava no sistema “home office”, havia a possibilidade de prestar maior assistência a seu filho, inclusive com a realização de atividades complementares às terapias para estímulo de seu desenvolvimento. No entanto, segundo ela, a CEF suspendeu esse modo de prestação de serviços e passou a exigir o retorno presencial à agência de Viçosa.
A trabalhadora também salientou que reside em Maceió, e que a agência daquele município fica a 89,3km de distância de sua residência, o que demanda um deslocamento diário de 1h33min por cada trajeto, totalizando mais de 3h de viagem por dia.
Entre as principais alegações apresentadas em sua defesa, a Caixa sustentou que, para os cargos de tesoureiro, a jornada é de 8h/diárias, por se enquadrar na exceção do parágrafo segundo do artigo 224 da CLT. Afirmou, em seguida, ter pactuado com a representação sindical que, em caso de decisão judicial que afastasse a exceção contida nesse dispositivo, ou seja, condenando-a a reduzir a jornada, seria compensada a diferença entre os valores recebidos a título de exercício da função gratificada e o montante da gratificação de 6h e reflexos, conforme ACTs 2018/2020 e 2020/2022. Todavia, o banco, mesmo defendo o posicionamento de que a referida função requer carga horária de 8 horas, já vinha autorizando uma jornada de 6h diárias para os seus ocupantes.
A CEF ainda acrescentou que não é dever do empregador prover a assistência necessária ao filho enfermo de seus empregados, pois já oferta vários benefícios previstos em acordo coletivo e normativos internos. Asseverou não haver provas de que a jornada cumprida pela autora a impede de acompanhar o tratamento do filho.
Também sustentou que o banco é uma empresa pública federal e seus empregados são regidos pela CLT. Assim, como integrante da Administração Pública Indireta, está sujeita ao princípio da legalidade estrita e, em razão da ausência de previsão legal expressa, não poderia deixar de exigir de seu empregado o cumprimento da jornada de trabalho para a qual foi contratada.
Contudo, o desembargador Pedro Inácio ponderou que a interpretação literal nem sempre oferece a solução adequada aos casos postos. Em sua análise, tanto a Constituição Federal, ao consagrar o princípio da igualdade, no caput do art. 5º, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, de setembro de 1990, asseguram uma proteção que deve ser mediada com a legislação do trabalho.
Sendo assim, para ele, a interpretação sistêmica autoriza a redução da jornada de trabalho de empregada que tem filho com transtorno de espectro autista, notadamente quando visa densificar direitos fundamentais que concretizam promessa constitucional de respeito aos valores sociais do trabalho e proteção à criança e à pessoa com deficiência, em face de disposições positivadas em Convenções Internacionais, na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei n. 8.112/91, além dos princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador e de sua proteção.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região