Em contraponto ao governo, o senador José Serra (PSDB-SP) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) fiscal que reúne alguns dos temas mais importantes da agenda de reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes. O principal ponto é a retirada das despesas da Previdência do teto de gastos, abrindo um espaço de R$ 40 bilhões. A mudança, porém, só teria validade a partir do momento em que for aprovado um limite para a dívida pública da União. O teto é a regra que limita o crescimento das despesas à inflação de um ano para o outro.
A proposta tem potencial para se colocar como uma “alternativa” ao conjunto de reformas de Guedes, que deve ser enviado na quinta, 31, ao Congresso.
A retirada dos gastos com a Previdência do alcance do teto seria feita de forma retroativa, para não abrir simplesmente um espaço de centenas de bilhões na regra e passar a impressão de que a situação das contas está resolvida. Com isso, o valor de partida do teto (fixado em 2016) seria revisto sem as despesas com benefícios previdenciários e atualizado com a inflação verificada desde então.
A PEC também coloca na Constituição uma autorização para União, Estados e municípios reduzirem a jornada de trabalho dos seus servidores, com adequação do salário à nova carga horária. A medida de ajuste já é prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas há maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar sua inconstitucionalidade justamente porque a Constituição não prevê redução de jornada, apenas demissão.
A proposta resolveria essa lacuna e prevê ainda que o corte da jornada de trabalho poderá ser disparado como primeira medida de ajuste quando a despesa total com pessoal, por Poder ou órgão, ultrapassar os limites legais. As 27 assinaturas necessárias para a apresentação da PEC foram colhidas ontem.
De acordo com o texto, se num prazo de seis meses o Executivo não fixar o limite da dívida, o Senado, por iniciativa própria, poderá fazê-lo. A previsão de um teto de endividamento está previsto na Constituição e na LRF, mas até hoje nunca houve acordo político para aprová-lo, inclusive por resistências da área econômica. Estados e municípios já contam com limites de dívidas.
A proposta do senador tucano também regulamenta o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) previsto na LRF, mas que não foi criado até hoje. A ideia é que o órgão atue e acompanhe a harmonização de regras e procedimentos orçamentários da União, Estados e municípios, condicionando as decisões e entendimentos dos Tribunais de Contas (hoje bastante difusos e sujeitos a pressões políticas locais) às normas definidas pelo conselho. É um desenho parecido com o Conselho Fiscal da República que Guedes vai propor no pacote que deve ser anunciado amanhã.
A PEC “Serra” também coloca na Constituição a obrigatoriedade de o governo fazer uma avaliação periódica de gastos e aperfeiçoa a chamada “Regra de Ouro”, instrumento que impede o governo se endividar para pagar gastos correntes, como salários e benefícios sociais. A mudança pretende limitar o aumento da dívida pública por meio de emissões líquidas de títulos ao valor aplicado pelo governo em investimentos. A mudança visa a estimular os investimentos, hoje em queda. No ano que vem, estão previstos apenas R$ 19 bilhões para esse fim.
“A ideia é termos o marco fiscal mais arrumado”, explica ao Estado o senador Serra. Como relator da comissão de finanças públicas da Assembleia Constituinte, Serra incluiu a fixação de um limite para a dívida federal em 1988. Limites de endividamento já existiam na Constituição desde 1967, mas só para Estados e municípios.
Para Serra, são oportunas essas mudanças porque as duas principais regras fiscais em vigor – teto de gastos e regra de ouro – estão disfuncionais. Na sua avaliação, a regra de ouro está “subjugada à enorme conta de juros contratadas no passado”.
Para o assessor econômico do senador Serra, Leonardo Ribeiro, que trabalhou na elaboração da PEC, a manutenção do teto de gastos é inviável porque vai comprimir ao longo do tempo os investimentos e afetar os programas na área social. Segundo ele, o governo tem apostado todas as fichas no teto de gastos para lidar com crise fiscal, fechando-se para outras alternativas já testadas em outros países, como Alemanha, Estados Unidos, Suécia e Suíça.
Ribeiro defendeu ainda a retirada das despesas previdenciárias do teto porque esse gasto, segundo ele, é “indomável” ao crescer acima da inflação e acaba comprimindo outras despesas importantes para a manutenção dos serviços públicos. Ele argumentou ainda que a proposta é sustentável do ponto de vista fiscal porque condiciona essa retirada à fixação do limite para a dívida. “Se fosse só tirar, seria irresponsável”, disse.