Em vigor há cinco anos, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI — Lei nº 13.146, de 2015) tem ajudado a prover a acessibilidade e inclusão na sociedade. Nesse período em que a legislação reafirmou a autonomia e a capacidade desses mais de 45 milhões de brasileiros que possuem algum grau de deficiência, senadores identificam a necessidade de ampliar o rol de pessoas a ter acesso aos direitos garantidos pela lei, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Com esse objetivo o senador Romário (Podemos-RJ) apresentou projeto de lei (PL 4.687/2020) que altera a LBI para permitir o reconhecimento de pessoas com doenças mentais como pessoas com deficiência. Na justificativa do projeto, o senador argumenta que pessoas com doenças mentais enfrentam barreiras em função de sua condição psicossocial e que, muitas vezes, são equiparadas àquelas com deficiência intelectual e acabam sendo vítimas de preconceitos e dificuldades de compreensão, impedindo sua inclusão na sociedade.
“Isso leva ao isolamento e à marginalização de pessoas com esquizofrenia, depressão e ansiedade severas, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo severo, síndrome de Tourette e diversas outras condições”, detalhou.
Romário ainda explica que passados cinco anos da sanção da Lei Brasileira de Inclusão, a regulamentação da avaliação biopsicossocial desses cidadãos, prevista na legislação, ainda não ocorreu e por essa razão, é preciso inserir dispositivo para assegurar esse direito, até que sejam criados os instrumentos para avaliação da deficiência.
“Não seria esta a solução ideal, mas é o remédio transitório, necessário e suficiente que podemos oferecer até que o Poder Executivo cumpra seu dever legal e supra a principal lacuna que impede a plena aplicação da Lei Brasileira de Inclusão”, afirmou.
De acordo com o projeto, o reconhecimento será feito mediante avaliação interdisciplinar que contemple tanto os aspectos sociais quanto os de saúde mental.
Mudos e gagos
Outro projeto que tramita na Casa é o PLS 311/2018 que altera a LBI para incluir mudos e gagos entre pessoas com deficiência. De autoria do ex-senador Antônio Carlos Valadares, a proposta insere as dificuldades de comunicação e expressão no rol de impedimentos que podem obstruir a participação plena e efetiva do cidadão na sociedade em igualdade de condições.
O texto acompanha a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIF), aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que, desde 2001, considera a gagueira como uma deficiência. Durante a análise do PLS na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), em 2019, quando foi aprovado, o relator, senador Flávio Arns (Podemos-PR) argumentou que a definição legal e constitucional da pessoa com deficiência a caracteriza como aquela cuja dificuldade a longo prazo pode obstruir sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, o que levaria a incluir mudos e gagos como beneficiários do Estatuto.
“É evidente que o mudo e o gago, em várias situações, não se encontram em igualdade de condições com as demais pessoas. Não se pode negar que, no mercado laboral, tais pessoas não saem do mesmo ponto de partida que aqueles com discurso desembaraçado”, argumentou Arns em seu voto. Agora a matéria aguarda análise, em caráter terminativo, na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Síndrome de Tourette
A síndrome de Tourette, doença que manifesta movimentos involuntários e repetitivos, podendo ser motores ou vocais, simples ou complexos, também está entre aquelas que poderão ser incluídas na LBI. Projeto (PL 4.767/2020) com esse objetivo foi apresentado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que considera as barreiras sociais e as comorbidades, como o transtorno obsessivo-compulsivo, desafios adicionais à inclusão social, à escolarização e à profissionalização dessas pessoas acometidas pela doença.
“A falta de compreensão sobre as causas dos tiques e das condições associadas mencionadas costuma produzir julgamentos morais, baseados em reflexos defensivos e em ignorância, sobre as pessoas com Síndrome de Tourette, como se essas pessoas fossem, por livre vontade, inconvenientes, mal educadas, agressivas, preguiçosas etc. Um resultado comum dessa estigmatização é as pessoas com Síndrome de Tourette acabarem isoladas, desprezadas, envergonhadas, deprimidas e excluídas”, explica o senador na justificativa do projeto.
O senador ainda informa que segundo a Organização Mundial da Saúde, a doença é rara e atinge 1% da população e que o transtorno, inclusive, já está previsto na tabela de classificação internacional de funcionalidade e incapacidade da OMS. Nelsinho Trad também justifica a necessidade de aprovação do projeto pela ausência de regulamentação dos mecanismos de avaliação biopsicossocial das deficiências, que deveriam ser oferecidos pelo Poder Executivo.
“Se as barreiras erguidas em torno de uma característica pessoal involuntária caracterizam a condição de pessoa com deficiência, é evidente que a Síndrome de Tourette se enquadra nessa hipótese. Bastaria que a avaliação biopsicossocial da condição de pessoa com deficiência, prevista no art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão, reconhecesse esse fato”, acrescentou.
Visão monocular
Outra proposta, aprovada no Senado em 2019, classifica a visão monocular como deficiência visual e assegura à pessoa que enxerga com apenas um olho os mesmos direitos e benefícios garantidos à pessoa com deficiência. O PL 1.615/2019, de autoria dos senadores Rogério Carvalho (PT-SE), Rose de Freitas (Podemos-ES), Wellington Fagundes (PL-MT) e Otto Alencar (PSD-BA), aguarda análise na Câmara dos Deputados e determina que visão monocular seja “classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais”.
Quando o projeto foi apresentado, os autores justificaram a mudança na LBI ao argumentar que, além de terem problemas na percepção de profundidade, os indivíduos com visão monocular, apresentam redução de cerca de 25% no campo visual. “Com frequência, indivíduos monoculares sofrem com a colisão em objetos e/ou pessoas, dificuldades para subir e descer escadas e meios-fios, cruzar ruas, dirigir, praticar esportes, além de outras atividades da vida diária que requerem a estereopsia e a visão periférica. Portanto, demandam cuidados especiais da sociedade, da família e do poder público”, informaram.
Políticas públicas
Ainda no início deste ano, os senadores aprovaram na CAS relatório de avaliação da política pública de reconhecimento das pessoas com deficiência para acesso a direitos previstos na LBI. Relatado pela senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), o estudo trouxe uma coleta de dados do Censo 2020 sobre pessoas com espectro autista, questões orçamentárias e dados do Poder Executivo.
Na avaliação, a CAS sugere ao Executivo a criação de grupo de trabalho para a definição de instrumento que permita a avaliação médica, psicológica e social (avaliação biopsicossocial) da pessoa com deficiência, previsto na LBI. O estudo também determinou que a CAS acompanhe o cumprimento da Lei nº 13.861, de 2019, que determinou ao IBGE a inclusão de dados sobre autismo no Censo 2020.
LBI
Em vigor desde 2016, a LBI foi aprovada após 15 anos de discussão no Congresso Nacional quando Paulo Paim (PT-RS), ainda como deputado federal, apresentou a matéria na Câmara dos Deputados e em seguida reapresentou a proposta na sua chegada ao Senado. A LBI alinhou o Brasil às diretrizes da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada pelo Congresso em 2006, com a finalidade de “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e a cidadania”.
Fonte: Agência Senado