Uma das mais perversas transformações no mercado de trabalho brasileiro tem nome: pejotização. Sob a aparência de modernidade e empreendedorismo, essa prática esconde uma realidade de precarização e retirada de direitos. Trata-se da crescente substituição da contratação com carteira assinada (CLT) por um modelo em que o trabalhador é obrigado a abrir uma empresa (Pessoa Jurídica – PJ) para prestar serviços.
Essa manobra, que cria uma relação comercial de empresa para empresa, serve a um único propósito: livrar o empregador de suas responsabilidades e negar ao trabalhador os direitos mais básicos. Férias, 13º salário, FGTS, descanso semanal remunerado, licença-maternidade e proteção contra demissão arbitrária são todos descartados nesse modelo.
Os números mostram a dimensão do problema. Segundo o IBGE, o contingente de trabalhadores autônomos com CNPJ praticamente dobrou, saltando de 3,3% da força de trabalho em 2012 para 6,5% em 2024. Isso representa 7 milhões de pessoas empurradas para uma falsa autonomia, muitas vezes sem qualquer poder de escolha.
Subordinação Disfarçada
Autoridades como juízes, procuradores e auditores-fiscais do Trabalho são unânimes em alertar: a grande maioria dos casos de pejotização é uma fraude. O trabalhador pode ter um CNPJ, mas na prática, sua rotina é a de um empregado comum. Ele cumpre horário, recebe ordens diretas, tem metas a bater e está inserido na estrutura hierárquica da empresa. A única diferença é que, no papel, ele não tem direitos.
Essa relação de subordinação disfarçada desmascara a farsa. O que vemos não é um encontro de duas empresas em pé de igualdade, mas a imposição de um modelo que beneficia exclusivamente o lado mais forte: o contratante.
Falsos Argumentos
O lobby empresarial, representado por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), tenta defender o indefensável com argumentos que não se sustentam na realidade do trabalhador.
“Modernização das relações de trabalho”: A CNI alega que a digitalização exige “diferentes tipos de contratação”. Na verdade, usam a tecnologia como desculpa para retroceder a um tempo em que os trabalhadores não tinham qualquer proteção social. O trabalho digno não pode ser confundido com a ausência de direitos.
“O trabalho subordinado não é o único digno”: Ninguém contesta a dignidade do trabalho autônomo genuíno. O que se denuncia é a coação, a imposição da pejotização como única via para obter um posto de trabalho que, na prática, é de empregado. Não há escolha real quando a alternativa é o desemprego.
“Má-fé do trabalhador que busca a Justiça”: É um absurdo culpar o trabalhador por buscar na Justiça o reconhecimento de seus direitos roubados. A má-fé está do lado de quem frauda a legislação trabalhista, e não de quem foi lesado e luta pelo que é seu por direito.
“Interesse corporativo da Justiça do Trabalho”: Ao acusar a Justiça do Trabalho de agir por interesse próprio, os defensores da pejotização tentam deslegitimar a única instituição que ainda protege o trabalhador contra os abusos do poder econômico.
A verdade é que a pejotização é uma substituta perversa do trabalho assalariado, um atalho para as empresas maximizarem seus lucros à custa da exploração da mão de obra.
Luta contra a fraude
Felizmente, a resistência a esse retrocesso está crescendo. No Congresso Nacional, figuras como o senador Paulo Paim (PT-RS) têm sido vozes incansáveis na denúncia dessa prática. “Transformar trabalhadores celetistas em pessoas jurídicas é uma fraude cometida pelos empresários”, afirma Paim, que corretamente classifica a pejotização como mais um dos “insistentes ataques à CLT”.
Em resposta a essa ofensiva, iniciativas legislativas buscam colocar um freio na fraude. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou o Projeto de Lei 1.675/2025, que não visa proibir a terceirização legítima, mas sim estabelecer critérios claros para identificar e anular contratos fraudulentos. O objetivo é claro: “garantir que o trabalhador não seja compelido a abdicar de seus direitos para manter sua empregabilidade”.
O tema também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a gravidade da questão e agendou audiências para debater o assunto, mostrando que a sociedade não pode mais ignorar essa sangria de direitos.
CLT é Direito, Pejotização é Fraude!
Não podemos aceitar que a pejotização seja normalizada. Ela representa um retrocesso civilizatório que nos empurra para um futuro de incertezas, sem segurança e sem a mínima proteção social. A luta pela valorização do trabalho passa, necessariamente, pela defesa intransigente da CLT.
É fundamental que os trabalhadores se mantenham informados, se organizem em seus sindicatos e apoiem as iniciativas políticas e jurídicas que combatem essa prática fraudulenta. O emprego digno, com carteira assinada e todos os direitos garantidos, não é um privilégio. É a base para uma sociedade mais justa e igualitária.
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