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ON STRIKE: O ressurgimento dos sindicatos nos EUA

  • Por Pedro Thiago, jornalista.

Strike, palavra em inglês que pode ser usada para ações como bater, atacar, lutar, chocar, assaltar e… fazer greves.

Desde que mobilizou 5 milhões de trabalhadores em todos os Estados Unidos, em 1946, logo após a 2ª Guerra Mundial, o sindicalismo estadunidense enfrentou uma dura jornada de leis e desregulações que o colocaram sempre no fio da navalha.

Até aquele momento, os sindicatos eram uma das diretrizes estabelecidas pelo New Deal (1933), o grande programa de ações desenvolvido por Franklin Roosevelt para resgatar o país da profunda recessão promovida pela quebra do mercado. A proteção ao trabalhador estava na perspectiva humana do New Deal, detalhada pela Warner Act, e assim, as empresas estavam obrigadas a fechar negociações com os sindicatos, a favor dos seus funcionários.

Aquelas greves sacudiram os EUA do pós-guerra, eram um poderoso recurso que os trabalhadores estadunidenses tinham para pressionar políticos e autoridades, para questões do povo. Porém, os conservadores não tardaram em responder e, em 1947, aprovaram no Senado a Lei Tallft-Hartley, que está em vigor até os dias de hoje.

A lei proibia as “greves jurisdicionais”, que são paralisações por disputa de territórios ou representatividade de certo grupo de trabalhadores, greves autônomas de trabalhadores, greves solidárias, proíbe greve sem autorização legal, instituiu a sindicalização de loja a loja, permitiu que estados criassem as próprias leis, entre outras medidas. Foi um golpe duro para o movimento sindical, que perdeu sua força de pressão social.

Aliado a este momento, a primeira concepção da Organização Mundial do Comércio, chamada Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, organizada em 1947 pela ONU, excluiu qualquer responsabilidade trabalhista e ambiental para países firmarem acordos comerciais entre si. Desde então, as grandes potências, como os EUA, transferiram suas produções industriais para países com leis trabalhistas fracas, sobretudo na Ásia e África.

Depois deste período, o sindicato do setor privado estadunidense foi paulatinamente desregulado. Automóveis e eletrônicos passaram a ser importados do Japão e da Alemanha, e roupas e calçados estadunidenses passaram a ser produzidos em países com mão-de-obra barata, como Taiwan.

O ambiente intelectual nas décadas de 70 a 90 favoreceu a “livre concorrência” e setores como as companhias aéreas, ferrovias e telefônicas foram completamente desregulados.

Um salto no tempo: O boom sindical

Starbucks, tudo começa com um café forte.

Em agosto de 2021, trabalhadores de lojas da Starbucks em Buffalo, no estado de Nova Iorque, se uniram para defender mudanças em suas condições de trabalho e entraram com petições para criar um sindicato, o Starbucks Workers United (SBWU), ou Trabalhadores da Starbucks Unidos! Nos EUA é possível criar sindicatos a partir de apenas uma loja, ou um grupo de lojas.

Historicamente combativo naquele país, o movimento sindical se alastrou rapidamente, já que o modelo de gestão precarizado era aplicado em centenas de lojas da empresa, e seus funcionários viviam as mesmas dificuldades. Hoje, o SBWU reúne 117 sindicatos em todo o país e estabeleceu um acordo onde funcionários sindicalizados recebem até 10% de reajuste anual, gorjeta de cartão de crédito, entre outras conquistas.

Ainda em 2021, trabalhadores de um dos maiores armazéns da Amazon, o JFK8, protestaram contra a forma como a empresa lidou com a pandemia de COVID-19 e seus efeitos nos trabalhadores, o que levou à demissão dos protestantes. Em 2022, nascia o Amazon Labor Union, ou Sindicato dos Trabalhadores da Amazon.

No ano seguinte, 2022, o setor de serviços, talvez o mais afetado pelo modelo sindical de loja a loja dos EUA, devido à falta de convenções ou acordos coletivos, se mobilizou em busca de representação sindical. Estudantes de pós-graduação, motoristas de Uber e Lyft, até mesmo cavaleiros, rainhas e escudeiros do Medieval Times, um teatro-jantar na Califórnia, criaram seu sindicato.

O impacto econômico das greves

Em setembro de 2023, a União dos Trabalhadores Automotivos (United Auto Workers – UAW) lançou, simultaneamente, uma greve nacional inédita contra as três maiores montadoras do país: General Motors, Ford e Stellantis, as chamadas “Big Three”. Segundo o Economic Policy Institute, a greve durou seis semanas e envolveu 56 mil trabalhadores, resultando em cerca de 925.000 dias ociosos (total de trabalhadores x dias parados). Os trabalhadores obtiveram um reajuste salarial de até 33% e outras conquistas significativas, como a eliminação do sistema de dois níveis salariais. Além disso, a pressão das greves levou montadoras não sindicalizadas, como Toyota e Tesla, a aumentar os salários de seus funcionários para se manterem competitivas.

Essas greves de alto impacto geraram um total de aproximadamente 17 milhões de dias ociosos em 2023, um número expressivo, equivalente a 46.575 pessoas parando de trabalhar por um ano inteiro. Esse cenário reflete uma onda de paralisações que trouxe benefícios não apenas para os trabalhadores diretamente envolvidos, mas também para setores mais amplos da economia. O impacto econômico das greves não foi apenas a perda de produtividade – com dias ociosos aumentando as dificuldades operacionais das empresas –, mas também uma redistribuição dos lucros empresariais, com os trabalhadores conquistando melhores condições salariais após décadas de estagnação

Greve dos Atores e Roteiristas

Com 118 dias de duração, a greve dos atores e roteiristas foi uma das paralisações com maior impacto midiático. Iniciada pelos roteiristas, que pleiteavam principalmente os bônus pelo sucesso de séries para streaming e a regulamentação do uso de inteligência artificial, a greve ganhou visibilidade quando os atores também se uniram ao movimento. Grandes nomes de Hollywood como Jane Fonda, Adam Sandler e Lupita Nyong’o deram visibilidade à causa, tornando a greve uma das mais importantes do ano, não só pelos salários, mas também pelo futuro do trabalho no setor de entretenimento.

Em 2023, um total de 451 greves foram registradas nos EUA, de acordo com o Labor Action Tracker de Cornell-ILR. Esse aumento nas paralisações evidencia um ressurgimento do poder sindical, especialmente em um momento de apoio público crescente, com pesquisas mostrando que 70% dos americanos apoiam os sindicatos, fortalecendo a importância da filiação sindical para a segurança econômica.

Mickey Mouse e Pato Donald também querem um sindicato

Neste ano, 2024, se ampliaram os movimentos de trabalhadores nos Estados Unidos em busca de representação sindical. Jogadores do time de basquete universitário Dartmouth foram liberados pela National Labor Relations Board (NLRB); agência governamental que autoriza a fundação de sindicatos; a iniciarem as negociações para fundarem seu próprio sindicato.

Em maio, 1700 trabalhadores do elenco do Disneyland Resort que interpretam personagens icônicos como Mickey Mouse, Cinderela, Branca de Neve e Capitão Gancho, votaram pela sindicalização na Actors’ Equity Association.

Recentemente, em setembro, 33 mil trabalhadores da empresa de aviação Boeing, uma das maiores gigantes da indústria dos Estados Unidos e sua maior exportadora de aeronaves.

Apoio Público: Estadunidenses querem sindicatos fortalecidos

Segundo o renomado Instituto de Pesquisa Social Gallup, dois terços dos americanos aprovam os sindicatos. As recentes disputas trabalhistas, dos trabalhadores das empresas automobilísticas e dos atores e roteiristas, tiveram o apoio de quase 70% da população.
Ainda de acordo com o Instituto Gallup, a pesquisa avaliou outros indicadores. 61% dos entrevistados acreditam que os sindicatos favorecem a economia dos EUA e 57% acreditam que os sindicatos ajudam as empresas onde os trabalhadores são sindicalizados.

A pesquisa conclui que os sindicatos estão desfrutando de alta aprovação devido à forte crença nos benefícios que oferecem aos trabalhadores, frente ao longo período de estagnação salarial. Este aumento se iniciou durante a pandemia, devido ao foco que os sindicatos deram às necessidades dos trabalhadores e o momento foi propício para o início das greves, encabeçadas principalmente pelos funcionários dos Starbucks, em 2021, quando se iniciaram as renovações de contrato em muitos setores e os trabalhadores estavam acolhidos pelos sindicatos.

Quem diria, os trabalhadores protegem a economia

Durante as quatro últimas décadas, após o “Consenso de Washington”, que adotou um conjunto de políticas econômicas que envolvia taxa de juros determinadas pelo mercado, privatizações, desregulamentação e liberalização do comércio e do investimento estrangeiro direto,  ambos partidos dos EUA priorizaram o livre comércio, visando a competitividade dos produtos estadunidenses globalmente.
Isso realmente reduziu o preço dos bens, aumentou os lucros, levou a uma baixa de sindicalização e levou a mão de obra manufaturada para o exterior, para países com legislações trabalhistas amplamente flexibilizadas.
Segundo o pesquisador Upamanyu Lahiri, de Relações Exteriores Council On Foreign Relations, isso retirou os empregos dos Estados Unidos, migrando a força de trabalho principalmente para China, o que gerou um ceticismo comercial na população e também nos partidos, que viram na segurança do emprego uma forma de proteger a economia interna.

Conclusão

A mobilização sindical nos EUA está mais ativa do que nunca, e, além de vitórias recentes, tem conquistado forte engajamento social e político. A palavra “Strike”, que em inglês também pode significar “bater” ou “atacar”, reflete bem a postura combativa adotada pelos trabalhadores.

As conquistas sindicais recentes, como os aumentos salariais no setor automotivo e o avanço de regulamentações no setor de entretenimento e saúde, demonstram que o movimento sindical está se fortalecendo. Esse fortalecimento conta com o apoio popular crescente, com mais de 70% dos americanos favoráveis aos sindicatos. ​(Council on Foreign Relations Pew Research Center)

Além disso, tanto os Democratas quanto os Republicanos têm mostrado mais sensibilidade às demandas trabalhistas, especialmente após a pandemia, que expôs a vulnerabilidade dos trabalhadores frente a condições precárias. Com esse cenário, o sindicalismo nos EUA caminha para solidificar sua posição como uma força essencial para equilibrar as relações trabalhistas e promover a justiça econômica, ao mesmo tempo em que se torna uma ferramenta crucial de proteção econômica.

Essa combinação de engajamento social e apoio político sinaliza um futuro promissor para os sindicatos como uma estrutura sólida no contexto econômico e social do país.

  • Pedro Thiago, Assessor de Comunicação do Sintibref-MG
    Coordenador de Conteúdo da Pitanga Comunicação e Cultura
  • Foto: Paul Sancya/AP

 

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