A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) tem levado trabalhadores e trabalhadoras a denunciarem ao Ministério Público do Trabalho (MPT) a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), de medidas sanitárias adequadas, de controle da jornada de trabalho realizado em casa, além de irregularidades nos acordos de redução de jornada e salários e suspensão de contratos de trabalho.
O MPT recebeu 29.608 denúncias relacionadas à Covid, 52% do total recebido de 1º de março a 24 de agosto. O Rio de Janeiro é o estado com maior número de denúncias: 6.557, seguido por São Paulo e Minas Gerais.
O desrespeito à saúde e à vida dos trabalhadores e trabalhadores pode ser exemplificado pela situação vivida pelos profissionais que atuam nos frigoríficos do país.
Segundo a procuradora do Trabalho, Priscila Dibi Schvarcz, gerente nacional adjunta do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do MPT, no Brasil foram firmados Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) em 98 plantas frigoríficas, que abrangem 185.523 trabalhadores. Também foram ajuizadas 25 Ações Civis Públicas, sendo 17 delas contra a JBS, a maior rede de frigoríficos do país.
A atuação do MPT, segundo a procuradora, foi possível graças aos sindicatos que têm levado as denúncias ao órgão.
“O MPT tem atuado de forma conjunta e muito próxima aos sindicatos profissionais e Federações da Alimentação frente ao setor de abate e processamento de carnes. Somente o trabalhador pode apresentar um panorama efetivo daquilo que vivencia diariamente e das violações e exposições a riscos a que submetido durante a prestação de trabalho, sendo essa vivência imprescindível para a atuação do Ministério Público do Trabalho”, afirma a procuradora.
Para ela, a mobilização dos sindicatos tem sido importantíssima para movimentar e acelerar mudanças relacionadas às medidas de prevenção e mitigação dos riscos de contaminação adotadas no setor.
É importante reafirmar a relevância das entidades sindicais, justamente em um momento em que se tentava enfraquecê-las- Priscila Dibi Schvarcz
“A Carne mais Barata do Frigorífico é a do Trabalhador”
Mesmo diante dos ataques, os sindicatos e federações têm se posicionado fortemente na defesa dos trabalhadores. Nesta quarta-feira (26), os trabalhadores lançaram a campanha “A Carne mais Barata do Frigorífico é a do Trabalhador” em que denunciam as precárias condições de trabalho nos abatedouros de aves e bois, além das mortes de trabalhadores.
Pela manhã houve manifestações em frente aos frigoríficos em diversas unidades do norte do Paraná, onde ficam as maiores plantas. Dos 110 mil trabalhadores em todo o estado, 5 mil já foram contaminados e nove morreram, segundo Ernane Garcia, presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria Alimentícia do Paraná (FTIAPR), filiada a CUT.
“Este número pode ser ainda maior porque eu não acredito que os casos de Covid estejam diminuindo no estado, como afirmam as autoridades de saúde. As empresas subnotificam os órgãos públicos, não fazem testagens suficientes e ainda oferecem apenas uma máscara para o trabalhador usar durante seis dias, sem ,sequer, ter um lugar para guardá-las”, denuncia o dirigente
Manifestações e atos
No Paraná as manifestações foram feitas pela manhã nas unidades da JBS e Jaguafrangos , na cidade de Jaguapita. A tarde foi na cidade de Rolândia , nas unidades JBS e Frango Granjeiro.
“Os frigoríficos procuram trabalhadores nas 50 cidades da região norte do Paraná, inclusive a maior, Londrina. Com a locomoção de pessoas entre cidades aumentam os riscos de contaminação”, afirma Ernane.
A mesma preocupação com a locomoção dos trabalhadores tem a Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação de Criciúma e região. Segundo o presidente da entidade, Jeovânio Eler, a região sul de Santa Catarina, abrange 27 municípios, com cerca de 500 mil moradores, sendo que 5 mil trabalham nos frigoríficos que abatem em média 400 mil frangos por dia . Por isso os protestos foram realizados pela manhã na cidade de Forquinilha e a tarde , em Nova Veneza, em frente as unidades da JBS.
“O trabalho insalubre em local frio e úmido levou ao afastamento de 600 trabalhadores entre contaminados e suspeitos de terem contraído a doença. Um morreu, mas ele estava afastado desde março. Mas, eu creio que o número de contaminados seja ainda maior porque os frigoríficos se instalam em todo território nacional, em cidades pequenas e o trabalhador de outra cidade leva de uma a duas horas dentro de um ônibus para chegar ao trabalho”, conta Jeovânio.
O dirigente critica ainda as autoridades de saúde local, que segundo ele, “nem a vigilância sanitária funciona porque os dados de pessoas doentes chegam aos sindicatos pelas informações dadas pelos próprios trabalhadores”.
Apesar da dificuldade em ter acesso às unidades, as denúncias dos trabalhadores da região levou o sindicato a reivindicar o uso e descarte de uma máscara por dia. Hoje a JBS oferece uma máscara a cada dois dias, mas já chegou a oferecer uma a cada cinco dias.
A testagem dos trabalhadores para Covid, a redução da aglomeração dentro da linha de produção com o flexibilizando mais um turno de trabalho também estão entre as reivindicações.
Por último a substituição de paredes de inox instaladas para separar os trabalhadores por uma de acrílico. De acordo com o sindicalista, antes da pandemia não havia separação entre os trabalhadores na linha de produção, mas o material utilizado vem causando transtorno psicológico.
“ Imagine você ficar oito horas por dia, num lugar fechado, frio ,úmido, de cabeça baixa o tempo todo, só vendo frango, sem sequer ver uma pessoa ao seu lado, sem contato humano. Parecem baias de cavalos, mas pior, sem nenhuma abertura. Eles tomaram esta atitude sem ouvir os trabalhadores”, denuncia Jeovânio.
No Rio Grande do Sul estão instalados cerca de 110 frigoríficos que empregam 60 mil trabalhadores. O número de contaminados ainda é incerto, mas dos 116 mil casos confirmados de Covid-19 no estado, de 25 a 30% são de trabalhadores de frigoríficos, acredita Paulo Madeira , presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos do Rio Grande do Sul. Nesta quarta-feira, a Secretaria Estadual da Saúde do estado confirmou mais 74 óbitos e 3.284 casos. Apenas 12 cidades ainda não tiveram nenhum registro da doença.
“Lançamos a campanha em frente da JBS porque o nosso maior surto de Covid é na empresa. Até agora, a JBS teve uma planta fechada por 45 dias na cidade de Passo Fundo, outra fechada por sete dias em Caxias do Sul, e por quatro dias a unidade de Garibaldi. Sete trabalhadores morreram”, diz o dirigente.
Sua afirmação é confirmada pelo MPT. Segundo o órgão, apenas no Rio Grande do Sul foram fechados 27 Termos de Ajustamento de Conduta (TACS) nas plantas frigoríficas, ajuizadas sete ações civis públicas e confirmados casos em 47 plantas, sendo que em 18 mais de 100 trabalhadores estavam contaminados.
“A parceria com o Ministério Público do Trabalho tem sido fundamental para a proteção dos trabalhadores. Uma coisa é o MPT ir pra cima da empresa, municiado com informações que passamos. Com isso já conseguimos mais trocas de máscaras, espaçamento de trabalhador com barreira de acrílico em algumas unidades porque depende da sensibilidade de cada gerente de unidade. Também conseguimos que nos ônibus vá apenas um trabalhador sentado por banco. Mas com a campanha a gente quer mais proteção ao trabalhador e para isso precisamos conscientizar a todos”, diz Paulo Madeira
O resultado das denúncias em relação à Covid 19 no MPT
As denúncias em relação a Covid 19 resultou em todo o país em 275 Ações Civis Públicas Ajuizadas (ACPs), 143 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), 12.140 recomendações, 96.304 despachos, 2.200 audiências administrativas e 137.098 notificações, ofícios e requisições.