- Fernanda de Morais
Já abordamos no Blog do IDP Online sobre o pacote anticrime e suas alterações na legislação penal. No presente artigo, abordaremos uma das suas alterações legislativas, o Juiz de Garantias. Assim, versaremos sobre diversos pontos importantes para melhor compreensão de tal instituto.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, na qual o Brasil é signatário, em seu artigo 8º, prevê que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um “juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei”.
Nesse sentido, como o próprio nome dá a entender, o Juiz de Garantias é um instituto que tem como papel primordial a garantia do devido processo legal, assegurando pontos importantes como a imparcialidade do Juiz. Adiante, vamos destrinchar melhor o tema:
O que é o Juiz de Garantias e como surgiu?
O pacote anticrime (Lei 13.964) foi sancionado pelo então presidente da república Jair Bolsonaro, adicionando a função do Juiz de Garantias. O texto original do pacote anticrime não previa o referido instituto, que foi acrescentado posteriormente.
O projeto de lei n° 4981, de 2019 tinha como objetivo a instituição no Processo Penal brasileiro, a figura do juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda das inviolabilidades pessoais. Assim, preserva-se o distanciamento e imparcialidade do juiz no processo.
O referido projeto foi aprovado, por votação na Câmara dos Deputados, sendo emendado posteriormente a legislação vigente. Nesse sentido, o artigo Art. 3º-A do Código de Processo Penal prevê:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais dos investigados cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.
Na fase de investigação e recebimento da acusação, atuará o Juiz das Garantias, enquanto na fase de julgamento, o Juiz do Julgamento não receberá, nem se contaminará pelo produzido na fase anterior, já que somente as provas irrepetíveis, medidas de obtenção e antecipação de provas serão encaminhados
A matriz acusatória constitucional depreende não haver imparcialidade do juiz, tampouco estrutura dialética ou contraditório em um sistema inquisitório, onde as funções ficavam na mão de um único magistrado.
Tal instituto já era defendido por grandes nomes do direito penal e processual penal como Aury Lopes Junior, antes mesmo do advento do pacote anticrime.
Qual a competência do Juiz de Garantias?
A competência do Juiz de Garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa.
Além da segurança do devido processo legal, ao Juiz de Garantias compete desde receber a comunicação imediata da prisão (art. 5º, LXII da Constituição Federal) até decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.
Nesse sentido, cabe ao Juiz de Garantias zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença a qualquer tempo, inclusive para checar determinada ilegalidade.
Ademais, cabe também ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal e decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar.
Assim, cabe ao Juiz decidir também sobre determinados requerimentos importantes para fase de investigação como:
Art. 3º-B, XI do Código de Processo Penal:
- a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
- b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
- c) busca e apreensão domiciliar;
- d) acesso a informações sigilosas;
- e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
Anteriormente ao pacote anticrime, o mesmo Juiz que atuava na fase pré-processual também atuaria na fase processual, recebendo a acusação feita pelo MP, ouvindo as testemunhas arroladas e procediam à instrução processual, condenando ou absolvendo o réu.
Já atualmente, o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência.
Se o investigado estiver preso, o Juiz de Garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
Como outros países enxergam o instituto do Juiz de Garantias?
O instituto do Juiz de Garantias é adotado por diversos países, tanto países mais desenvolvidos quanto menos, como é o caso da Alemanha, Itália, França, Chile e Colômbia. Possuem nomenclaturas diferentes, como o caso da França, que é conhecido como Juiz das Liberdades e da Detenção.
Diante disso, diversos países adotam o modelo do Juiz de Garantias, tanto que, na América Latina, apenas Cuba e Brasil não tinham adotado o modelo do Juiz de Garantias.
Apesar de ser um instituto adotado por diversos países, alguns possuem problemas estruturais, como é o caso da Argentina, que adota o Juiz de Garantias desde 1991, mas em alguns lugares ainda não foi colocado em prática.
Dentre os países que adotaram tal modelo na estrutura acusatória, destacam-se Portugal, Itália e Chile, seja pela similitude com o modelo proposto no Brasil, seja pela diversidade na forma de tratativa da matéria.
O foco principal deste artigo é o Brasil, e por isso não vamos adentrar sobre os modelos internacionalmente adotados, mas vale pesquisar e entender mais sobre as nuances do instituto trabalhado.
Debates em torno do Juiz de Garantias
Com a novidade na legislação processual penal, notoriamente gerou certo estranhamento de início, propiciando opiniões diversas, sendo alguns contras e outros a favor. O juiz de garantias teve maior visibilidade durante os atos da operação Lava-Jato realizada pelo então juiz Sérgio Moro.
Os motivos contra e a favor são diversos. Existem argumentos a favor que defendem a criação desse instituto a fim de evitar a concentração de poder em um só juiz, vez que no Brasil alguns juízes rogam por protagonismo processual. Além disso, a imparcialidade nas decisões finais, uma vez que dois juízes irão analisar o mesmo caso.
Contrariamente, existem argumentos por motivos financeiros, isso porque o instituto traria grande gasto para a máquina judiciária. Nesse sentido, ao contrário de outros países, o Brasil possui grande número de Habeas Corpus, por exemplo, e em comarcas pequenas onde possuem um só juiz, seria de grande dificuldade a correta atuação.
As diferenças das realidades regionais entre estados e até mesmo cidades de uma mesma unidade da federação dificultam a implementação da figura do Juiz de Garantias.
Desembargadores de tribunais regionais e juízes de tribunais estaduais enfatizaram que a adoção da medida implica custos, com aumento de pessoal, de instalações físicas e de uso da tecnologia.
É certo que o instituto fortalece as garantias processuais e a imparcialidade do magistrado, diante dos desafios gerados por novas formas de investigação e meios de provas desenvolvidos pelas evoluções tecnológicas.
Dessa forma, trazem um incremento na qualidade da justiça e garantia da legitimidade do Estado no exercício do dever de punir.
Qual o impacto do Juiz de Garantias na atuação do advogado?
Para aqueles que atuam dentro do processo, sempre foi muito unificado a questão de que o processo penal possui diversas carências procedimentais. Nesse sentido, o Juiz de Garantias veio para assegurar diversos direitos, dentre eles direitos que a defesa precisa saber para assim resguardá-los.
Desse modo, o Juiz de Garantias na visão do advogado de defesa é visto como um aperfeiçoamento do procedimento processual penal. A defesa técnica deve requerer o cumprimento do devido processo legal, postulando pelos direitos do seu cliente e a segurança da imparcialidade do juiz durante o julgamento dos fatos.
Os pedidos para seu cliente são diversos, dependendo do caso, é necessário desde formular pedido para relaxamento da prisão ou até mesmo relatar determinada ilegalidade sofrida contra seu cliente. Por isso, é muito importante conhecer sobre o referido instituto a fim de assegurar uma defesa mais garantista.
Referências
Senado Federal, Projeto de Lei n° 4981, de 2019.
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.
Lopes, Aury Júnior e Ritter, Ruiz. A Imprescindibilidade Do Juiz Das Garantias Para Uma Jurisdição Penal Imparcial: Reflexões A Partir Da Teoria Da Dissonância Cognitiva. 2017.
Lima, Walter Alves. A figura do juiz das garantias no contexto internacional e nacional. Brasil, 2022.
Rosa, Alexandre Morais; Junior, Aury Lopes. Entenda o impacto do Juiz das Garantias no Processo Penal. CONJUR, 2019.
- Fernanda de Morais Oliveira, graduada pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo IDP-Online. Pesquisadora na área do direito penal e gênero. (artigo originariamente publicado pelo https://direito.idp.edu.br/blog/)