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Discriminação histórica e debate inédito contra o racismo 

O TST reúne em seminário o poder público e a sociedade civil para abordar enfrentamento ao racismo e tem recorde de participação.

“Eu não me conformei”, diz Simone André Diniz, ao recordar que, 25 anos atrás, foi recusada para uma vaga de trabalho de empregada doméstica por ser negra. A empregadora, que havia anunciado a vaga em um grande jornal de São Paulo, queria contratar uma mulher branca. O inconformismo de Simone fez sua história extrapolar fronteiras e se tornar paradigma no que se refere à violação de direitos da mulher negra. Também a tornou tema central para um debate sobre o enfrentamento ao racismo no Brasil: o “Seminário Nacional Simone André Diniz: justiça, segurança pública e antirracismo”, que ocorre no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

A realização do evento foi uma das recomendações feitas em 2006 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ao país no relatório final de uma investigação sobre o caso de Simone Diniz. Nele, a CIDH concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à igualdade perante a lei, à proteção judicial e às garantias judiciais (consagrados, respectivamente, nos artigos 24, 25 e 8 da Convenção Americana).

Antes de a história ser levada à Corte internacional, Simone chegou a registrar uma ocorrência policial. Um inquérito foi aberto, mas arquivado pela Justiça, com base em parecer do Ministério Público. Para as autoridades, não ficara evidente o crime de discriminação ou preconceito de raça.

Para cumprir a recomendação feita pela CIDH, 10 instituições do poder público – contemplando Judiciário e Executivo – e da sociedade civil se reuniram para promover o seminário, cujo objetivo é fortalecer a proteção contra a discriminação racial e o racismo. O evento, iniciado nesta quinta-feira (17), teve recorde de público, com mais de dois mil inscritos nas modalidades presencial e a distância, e segue até sexta (18).

Racismo

“Ao contrário do que o mito da democracia racial prega, infelizmente ainda não vivemos em uma sociedade para a qual todas as vidas importam”, pontuou o presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, na abertura do seminário. Para ele, o caso de Simone evidencia três aspectos do racismo: o individual, expresso pela preferência da empregadora por pessoas brancas; o institucional, evidenciado pela normalização da conduta discriminatória pelo MP e pelo Judiciário; e o estrutural, particularmente no mundo do trabalho, que coloca mulheres negras na base da pirâmide econômica e as condiciona, em grande parte, ao trabalho doméstico.

Impunidade

Segundo Edinaldo Santos Junior, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que atua na Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte, ao analisar o caso “Simone André Diniz vs. Brasil”, considerou que, no país, a regra é a impunidade de crimes raciais. “Ela decorre da tolerância dos agentes do Sistema de Justiça Criminal diante da prática do racismo, expressa por tentativas de minimizar a gravidade dos fatos, por alegações de ausência de tipicidade das agressões raciais ou de dificuldade de comprovação de intencionalidade discriminatória, o que nós, operadores do Direito, conhecemos por dolo”, explicou.

Desculpas

“Simone, eu não queria estar aqui. Eu não queria que você tivesse sofrido o que sofreu naqueles dias, que você tivesse tido as portas fechadas por causa da cor da sua pele, que o Judiciário tivesse negado seus direitos, enquanto deveria ser instrumento para garantia de direitos. Não queria ser uma magistrada que faz parte desse Poder Judiciário”, disse, em uma manifestação emocionada, Karen Batista de Souza, juíza auxiliar da Presidência do CNJ e membro do Observatório de Direitos Humanos do órgão.
Também emocionada, Simone ouviu, da magistrada, um pedido de desculpas. “Quando fiz concurso, me disseram que juiz é órgão de Estado. Então, como órgão de Estado, quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro”, finalizou.

“Nós podemos!”

“Nós podemos. Nós não somos inferiores por causa da nossa pele, não!”, disse Simone. Em sua fala, fez um apelo para que haja real comprometimento com essa causa e atenção à dor de quem passa por discriminação. “Só quem já viveu sabe o que é. Ajude quem passa por isso, porque talvez essa pessoa não tenha a força e a ousadia que eu tive. Muitas das vezes você tem que ser ousado, e as pessoas têm medo de denunciar. Essa coisa de deixar como está, é aí que não acontece nada”.

Para Sinvaldo Firmo, coordenador jurídico do Instituto do Negro Padre Batista, que atuou no caso junto à CIDH, o racismo é sistêmico e invisibiliza as mulheres pretas no país. “O Estado brasileiro precisa reconhecer e fazer justiça no caso Simone André Diniz”, defendeu.

Organização

Organizam o evento: o Tribunal Superior do Trabalho; a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Centro Internacional pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Instituto do Negro Padre Batista (INPB), Escola Superior da Defensoria Pública da União (ENADPU) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Como representantes do Tribunal Superior do Trabalho e da Enamat, além do presidente do TST, também participaram da mesa de abertura o vice-presidente, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, e o diretor da Enamat, ministro Mauricio José Godinho Delgado.

O evento segue nesta sexta-feira (18), com transmissão pelo canal do TST no Youtube.

Acesse a programação.

Confira a galeria de fotos do evento.

Repórter Natália Pianegonda/CF.

Imagens: Barbara Cabral

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