A democracia só existe com a garantia dos direitos fundamentais. Assim entenderam os debatedores que participaram da audiência pública, nesta terça-feira (10), que lembrou o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O debate foi sugerido pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), senador Paulo Paim (PT-RS), que também propôs a discussão sobre a defesa da democracia.
Os participantes também defenderam que a data seja mais uma oportunidade para resguardar o projeto contínuo de implantação democrática de uma humanidade, especialmente primando pela inclusão dos que mais precisam, conforme determina a Constituição brasileira.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948, após o fim da 2ª Guerra Mundial. Ela delineia os direitos humanos básicos e foi criada com o intuito de estabelecer uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. O objetivo era construir um mundo pacífico, evitando guerras e promovendo a paz e a democracia.
Como um dos instrumentos para a promoção dos direitos fundamentais, a Defensoria Pública Federal, segundo a Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Luciana Grando Bregolin Dytz, tem atuado para efetivar a assistência jurídica integral e gratuita em todo o país e assim reduzir as desigualdades e discriminações. Entretanto, conforme salientou, o país possui apenas 639 defensores federais, e registra um deficit de 57% desses profissionais para efetivar os direitos fundamentais por meio desse sistema.
Para ela, o desafio da celebração de hoje é o da aplicação, de fato, desses direitos.
— Esses direitos que estão aqui no papel têm que se consolidar. Ter direitos e aplicá-los é sinal de desenvolvimento de uma civilização. Enquanto esses direitos só ficarem no papel a gente não está desenvolvido como civilização. Enquanto as pessoas não tiverem direitos, enquanto os direitos forem para poucos, a gente não se configura como uma sociedade civilizada e democrática — disse.
Para o professor da Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Junior, o momento é mais uma oportunidade para medir a capacidade da sociedade de ter atenção às realidades desafiadoras que são apresentadas e reconstruir as agendas de preservação, salvaguarda e continuidade da luta institucional, mas também a luta na rua por meio do regime democrático.
— Não se pode falar em direitos humanos sem falar em democracia. Porque a democracia é o modo pelo qual a dimensão relacional das subjetividades e interlocução se constituem. E são aquelas condições, a partir das quais, no protagonismo do social que emerge como capacidade de construir seus projetos de sociedade, a agenda das relações se expande. Os direitos humanos, os direitos em geral, não são, portanto, quantidades, não são estoques legislativos, que se organizam numa prateleira de normas, num almoxarifado. São relações sociais. E as relações sociais não tem fim. Democracia não tem fim. Democracia é invenção. É a capacidade social de constituir direitos novos, ampliar o humano permanentemente e sem limites — explicou.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) disse que infelizmente se comemora essa conquista da Declaração Universal dos Direitos Humanos em um momento difícil para a história política do Brasil. Na sua avaliação, o Executivo Federal tem atuado para enfraquecer conquistas democráticas como os direitos fundamentais e o fortalecimento dos Três Poderes da União, resultando no que chamou de retrocesso e destruição de conquistas da dignidade humana.
— Há que ter uma indignação geral para que nosso povo volte às ruas. Num processo de recuperar o que está sendo destruído — afirmou.
Para o diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, não há retrocessos em relação aos direitos humanos. Ele observou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não pode ser uma pauta ideológica, e sim suprapartidária. Mesmo que as divergências sejam evidentes, a população precisa, segundo ele, se ver nessa Carta de Direitos.
Apesar de reconhecer as lutas sociais por meio do sistema democrático, ele observou que alguns elementos conservadores estão avançando em várias partes do mundo e citou como exemplo o predomínio do direito individual sob a coletividade. De acordo com ele, esses elementos conservadores precisam ser trazidos para essa discussão porque está se testemunhando hoje que o progresso do reconhecimento jurídico e institucional de direitos humanos não está garantindo a efetivação desses direitos.
— Então temos um problema aqui que não será resolvido em nível de Estado e à pena de movimentos sociais, sem encarar questões que são caras ao ministério hoje como a questão da colaboração com as religiões, a questão da família, a questão da escola. A escola pública não pode continuar sucateada como está — defendeu.
População Negra
Para o representante da Frente Favela, Derson Maia, este é um momento para reflexão e não de comemoração. Ele destacou que não há Carta Universal dos Direitos Humanos porque a pluralidade está limitada a uma construção do sujeito branco e não busca inserir e aprofundar o processo democrático com a participação efetiva do negro. Ele avaliou que o Brasil praticou o que chamou de “maior holocausto” da história porque foi o país que mais recebeu negros e negras dentro do sistema escravagista global e, a partir daí, manteve essa população à margem de qualquer direito.
— Mesmo nos momentos em que tivemos uma economia aquecida, as pessoas com possibilidades de conquistar vagas na universidade, de conquistar empregos, em momento de pleno emprego, nós ainda tínhamos taxa exorbitantes de genocídio dessa população negra. Então é possível que a gente pense a partir de outras perspectivas numa sociedade possível. E essa é a nossa luta constante e flagrante de dizer que não há como a gente não aprofundar estado democrático de direito sem trazer esses atores que sempre estiveram, historicamente, à margem desse estado. Não há como nós aprofundarmos a democracia no Senado ou na Câmara dos Deputados sem trazer esses sujeitos negros para dentro dessa Casa. Não há como a gente aprofundar a dignidade num sistema de saúde sem ter médicos negros e enfermeiras negras — criticou.
Direito das mulheres
Na avaliação da Representante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Raíssa Maia, que luta contra o encarceramento de mulheres, o sistema de Justiça criminal representa um instrumento de expressão de injustiça étnico-racial e social no Brasil e com inúmeros casos de desrespeito aos direitos humanos. Ele citou dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2018 que indicam que o tráfico de drogas é o delito que mais encarcera mulheres. 62% das presas são por este tipo de crime. Quase metade delas são presas provisórias. Raíssa ainda informou que 67% das encarceradas são negras, 50% são jovens, 74% são mães e 45% não possuem o ensino fundamental. Para ela, os dados representam o fenômeno da seletividade penal, quando os perfis dessas mulheres são demarcados pelo estado. Ainda conforme a representante do ITTC, as mulheres presas são submetidas à violências de três ordens que caracterizam grave violação dos direitos como casos registrados na abordagem policial, em especial nas revistas vexatórias; nas audiências de custódia e no cárcere, que vai desde a superlotação à falta de alimentação e acesso à saúde.
— Pertencem a uma nítida vulnerabilidade social com uma série de privações, de dificuldades, e são responsáveis por serem o núcleo da família. Então, muitas vezes, quando elas vão presas, as famílias se desestruturam totalmente. E as violências que essas mulheres sofrem são de toda ordem — disse.