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Como ficam as gorjetas em tempos de cartões?

O portal da Rede CNN acaba de publicar uma interessante matéria que fala sobre as gorjetas, nos Estados Unidos, em tempos de pagamentos com cartões. É um bom assunto para alimentarmos aqui no Brasil. Como é que ficam as gorjetas quando não temos mais os “trocados” e quando os hábitos de 10% ou 20% sobre a despesa não emplacaram de vez, como se costuma dizer? Veja o que diz a matéria da CNN:

Uma nova maneira de pagar por serviços rápidos nos Estados Unidos está criando uma experiência cada vez desconfortável: é a sugestão da caixinha digital, que substitui os vidros e caixas de coleta de gorjetas.

Você pede um café, um sorvete, uma salada ou uma fatia de pizza e paga com cartão de crédito ou telefone. Em seguida, o atendente ou caixa atrás do balcão pega uma tela touchscreen e coloca na sua frente.

A tela tem algumas quantidades de gorjetas sugeridas – geralmente 10%, 15% ou 20%. Há também muitas vezes uma opção para deixar uma caixinha personalizada ou nenhum valor.

O atendente está bem na sua frente. Outros clientes estão de pé atrás de você, esperando impacientemente e olhando sobre o seu ombro para ver quanto você dá de gorjeta. E você deve tomar uma decisão em segundos. É uma experiência estressante.

Clientes e funcionários hoje são confrontados com uma cultura de gorjetas radicalmente diferente de alguns anos atrás — e sem quaisquer normas claras.

Embora os consumidores estejam acostumados a dar caixinhas para garçons e outros trabalhadores da área de serviços, premiar um barista ou o caixa pode ser um fenômeno novo para muitos compradores.

A tendência está sendo impulsionada em grande parte por mudanças na tecnologia que permitiram que os donos das empresas transferissem parte dos custos de compensação dos trabalhadores diretamente para os clientes.

“Eu não sei o quanto deve ser dado de gorjeta e eu sou especialista nisso”, admite Michael Lynn, professor de comportamento do consumidor e marketing na Universidade Cornell e um dos principais pesquisadores em hábitos de gorjeta dos EUA.

Para aumentar essa dinâmica de mudança, clientes foram encorajados a dar gorjetas generosas durante a pandemia para ajudar a manter os restaurantes e lojas abertos, aumentando as expectativas.

Nos EUA, o total de gorjeta para restaurantes de serviço completo (nos quais as pessoas em geral se sentam em mesas) aumentou 25% durante o último trimestre em comparação com um ano atrás. Já nos restaurantes de serviço rápido (em que o próprio cliente pega o produto e paga) o valor aumentou 17%, de acordo com dados da consultoria Square.

A mudança para pagamentos digitais também acelerou durante a pandemia, levando as lojas a substituir os tradicionais vidros ou recipientes para caixinha em dinheiro por telas touchscreen de tablets.

Mas essas telas e os procedimentos para pagamento extra digital provaram ser mais intrusivos do que um vidro meio cheio com alguns dólares e várias moedas. Os clientes se sentem sufocados com o número de lugares com a opção de deixar gorjeta e pressionados a decidir se devem pagar e quanto.

Algumas pessoas deliberadamente se afastam da tela sem fazer nada para evitar tomar uma decisão, como contam especialistas em etiqueta que estudam a cultura da gorjeta e o comportamento do consumidor. A caixinha pode representar uma decisão cheia de carga emocional. As atitudes nessas novas configurações variam amplamente.

Alguns clientes dão gorjeta em todas as ocasiões. Outros se sentem culpados se não derem ou se o valor for muito baixo. E há quem evite gorjetas para um café gelado de US$ 5, dizendo que o preço já é alto o suficiente.

“Os norte-americanos sentem que dar gorjeta está fora de controle porque eles estão fazendo isso em lugares nos quais não estavam acostumados antes”, diz Lizzie Post, copresidente do Instituto Emily Post e tataraneta da fundadora que dá nome à organização.

“Momentos em que não se espera gorjetas tornam as pessoas menos generosas e desconfortáveis”.

A rede Starbucks lançou a gorjeta opcional neste ano para clientes pagarem com cartões de crédito e débito.

Alguns baristas do Starbucks disseram à CNN que as caixinhas estão adicionando dinheiro extra aos seus salários, mas os clientes não devem se sentir obrigados a dar gorjetas todas às vezes.

Um barista do estado de Washington disse que entende se um cliente não dá gorjeta para um pedido de café simples.

Mas, se ele fizer uma bebida personalizada após passar um tempo conversando com o cliente sobre exatamente como ela deve ser feita, fica “um pouco decepcionado se não receber uma gorjeta”.

“Se alguém pode comprar no Starbucks todos os dias, pode dar-se ao luxo de dar gorjetas em pelo menos algumas dessas visitas”, acrescentou o funcionário, que falou sob a condição de anonimato.

“Não é americana”

A opção de deixar uma gorjeta está aparentemente em toda parte hoje, mas a prática tem uma história conturbada nos Estados Unidos.

O hábito se espalhou após a Guerra Civil, na segunda metade do século 19, como uma medida exploradora para manter baixos os salários de escravos recém-libertados que trabalhavam em serviços.

A companhia de trens Pullman foi a mais famosa por suas políticas de gorjetas. A empresa contratou milhares de carregadores negros, mas pagava-lhes salários baixos e os obrigava a confiar em caixinhas para ganhar a vida.

Os críticos das gorjetas argumentavam que a prática criava um desequilíbrio entre clientes e trabalhadores, e vários estados aprovaram leis no início de 1900 para proibir a gorjeta.

Em “The Itching Palm” (ou “a palma da mão que coça”), uma crítica escrita em 1916 sobre o tema, o escritor William Scott disse que a gorjeta “não era americana” e argumentou que “a relação de um homem dando uma gorjeta e um homem aceitando-a é tão antidemocrática quanto a relação de mestre e escravo”.

Deixar um extra para atendentes foi uma prática retomada e estabelecida pela lei trabalhista de 1938 (oficialmente a Fair Labor Standards Act), que criou o salário mínimo federal que excluía os trabalhadores de restaurantes e hospitalidade. Isso permitiu que o sistema de gorjetas proliferasse nesses setores.

Em 1966, o Congresso criou um salário “submínimo” para os trabalhadores com gorjetas. O salário mínimo federal para funcionários com gorjetas se mantém em US$ 2,13 dólares por hora, ou cerca de R$ 11 (abaixo do mínimo federal de US$ 7,25, ou cerca de R$ 38,50) desde 1991, embora muitos estados exijam salários-base mais altos para empregados com gorjetas.

Se o valor de caixinha não é suficiente para atingir o mínimo federal, a lei diz que o empregador deve cobrir a diferença. Mas isso nem sempre acontece. O roubo de salários e outras violações salariais são comuns na indústria de serviços.

O Departamento de Trabalho considera que qualquer funcionário que trabalha “normalmente e regularmente” e recebe mais de US$ 30 (cerca de R$ 160) por mês em gorjetas pode ser classificado como um trabalhador que ganha com gorjetas.

Os especialistas estimam que há mais de cinco milhões de pessoas nessa categoria nos Estados Unidos.

Dicas sobre gorjetas

O valor da gorjeta é algo inteiramente subjetivo e varia entre setores nos Estados Unidos. A ligação entre a qualidade do serviço e o valor dado é surpreendentemente fraca, de acordo com o professor Lynn, da Universidade Cornell.

O pesquisador diz que uma gorjeta de 15% a 20% nos restaurantes se tornou padrão por causa de um ciclo de concorrência entre os clientes.

Muitas pessoas dão gorjetas para ganhar elogios ou têm a expectativa de receberem um serviço melhor.

À medida que os níveis de gorjeta aumentam, outros clientes começam a dar gorjetas para evitar danos ao seu status ou serem mal atendidos.

A chamada economia gig também mudou as normas. Um estudo do MIT publicado em 2019 descobriu que clientes têm menos probabilidade de dar gorjetas quando os atendentes têm autonomia sobre se e quando trabalhar.

Quase 60% dos passageiros do Uber nunca dão gorjeta, enquanto apenas cerca de 1% sempre dão gorjeta, descobriu um estudo da Universidade de Chicago de 2019.

O que o torna o cenário confuso, disse Lynn, é que “não há nenhuma autoridade central que estabeleça normas. Eles vêm de baixo para cima.

Em última análise, é o que as pessoas fazem que ajuda a estabelecer o que as outras pessoas devem fazer”.

Para defensores e especialistas em gorjetas, você deve quase sempre dar gorjeta aos trabalhadores que ganham o salário abaixo do mínimo, como atendentes de restaurantes e bartenders.

Quando dada a opção de gorjeta em lugares onde os trabalhadores ganham por hora, como os baristas do Starbucks, os clientes devem usar seu critério e tirar qualquer culpa de sua decisão, dizem especialistas em etiqueta.

Caixinhas ajudam esses trabalhadores a complementar sua renda e são sempre encorajadas, mas não há problema em dizer não.

Os especialistas em etiqueta recomendam que os clientes pensem na tela touchscreen de gorjeta da mesma forma que o bom e velho vidro de moedas. Se a ideia era deixar um troco ou uma nota no frasco, faça isso quando solicitado na tela.

“Uma gorjeta de 10% para comida entregue por delivery é uma quantidade realmente comum. Também vemos trocados ou um único dólar por pedido”, conta Lizzie Post.

Se você não tem certeza do que fazer, pergunte ao atendente se a loja tem uma quantidade de gorjeta sugerida.

Saru Jayaraman, presidente da One Fair Wage, que defende o fim de políticas de salário abaixo do mínimo, incentiva os clientes a dar gorjetas.

Mas ela reforça que os valores nunca devem ser contra uma política salarial dos trabalhadores de serviços, e os clientes devem exigir que as empresas paguem um salário total.

“Temos que dar gorjeta, mas é preciso combinar com os funcionários que ela é um extra no pagamento, e não algo para compor o salário mínimo”, explicou.

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