Nesta segunda-feira, 1º de maio de 2023, a CLT completa 80 anos. São oito décadas, em que a forma de trabalho mudou radicalmente, e a octogenária CLT, graças a seus intérpretes, foi se ajustando.
A CLT, como bem se denomina, é uma consolidação das leis. Ou seja, já havia, aqui e ali, leis trabalhistas. Nesse sentido, a luta por direitos é anterior à efeméride que completa número redondo neste ano.
A CLT
A CLT foi criada pelo decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943 e está vigente até os dias de hoje, em meio a notórios avanços e tristes retrocessos. A legislação é popularmente conhecida por ter sido sancionada por Getúlio Vargas – alcunhado como “pai dos pobres”. Entretanto, como já dito, existem circunstâncias e registros pré CLT que ajudaram em sua formação e são verdadeiras guias hermenêuticas até hoje.
A legislação trabalhista ao longo do tempo garantiu direitos aos trabalhadores, como a “carteira assinada” que é símbolo do chamado regime celetista.
Contexto de formação
Após a Grande Guerra, como é conhecida a primeira guerra mundial, o interesse dos governos sobre os anseios das classes populares aumentou. No Brasil, essa tendência também foi observada, pois a garantia de direitos sociais revelava-se uma “forma de desestimular golpes de movimentos radicais da esquerda ou de direita”.
Em verdade, como estávamos no início da industrialização, tanto direita como esquerda queriam se apropriar do nascente movimento das massas de trabalhadores. Com efeito, de um lado estavam as incipientes ideias comunistas, de outro o que se tornaria o mefistofélico fascismo, nestes chãos representados pelas ideias integralistas do intelectual Plínio Salgado, todos querendo representar os direitos dos trabalhadores.
Foi nesse contexto de ebulição que, em 1917, operários no bairro da Mooca em São Paulo protestaram contra o valor dos salários. As negociações pelo aumento de 20% não foram bem-sucedidas e 2.000 trabalhadores entraram em greve. A situação refletiu-se em cidades do interior paulista e em 12 de julho de 1917, 20 mil trabalhadores aderiram à greve. Ela só teve fim com um acordo firmado 30 dias depois, em agosto, garantindo, além do aumento de 20%, que nenhum empregado seria despedido em decorrência da greve.
Em 1929, a Grande Depressão impactou o Brasil, pois o país dependia da exportação de produtos agrícolas. O nível de desemprego explodiu com o fechamento de fábricas. As indústrias que se salvaram diminuíram o salário dos trabalhadores. O governo precisou adotar medidas protecionistas, principalmente no setor cafeeiro, que sofria grandes perdas.
O Estado que mais produzia o chamado “ouro verde” era São Paulo, e as medidas visavam claramente proteger a elite cafeicultura. Na política, o período ficou conhecido como “Café com Leite”, na qual alternavam-se no poder representantes paulistas e mineiros.
Em 1929, rompendo o ciclo, o presidente Washington Luís recusou-se a apoiar seu sucessor mineiro e apoiou o paulista Júlio Prestes.
Minas Gerais, por sua vez, defendeu a candidatura de Getúlio Vargas, originário do Rio Grande do Sul, e que tinha estudado em Ouro Preto.
A divisão faz eclodir um golpe de Estado. Em 1930, Getúlio assume o poder instituindo governo provisório. A partir de então, apropriando-se da pauta trabalhista, Vargas implementa um governo nacionalista e populista.
E, aos poucos o governo Vargas vai, de fato, concedendo direitos trabalhistas via decretos e decretos-lei. Ou seja, não há participação parlamentar na criação destas regras, sobretudo porque a representação popular na época era extremamente parcial, uma vez que vivíamos sob a égide do voto censitário.
O fato é que foram estas regras esparsas que, depois, compiladas, inspiraram a CLT.
Legislação prévia à CLT
Antes da Consolidação, como dito, as legislações eram muitas e, por vezes, abrangiam categorias profissionais específicas. Muito embora já houvesse leis que privilegiavam interesses dos trabalhadores, como a lei 4.982/25 que tratou do direito a férias e o decreto 17.934/27, sobre o trabalho de menores, foi a partir de 1930 que a legislação trabalhista foi reforçada.
Em 26 de novembro de 1930 criou-se o ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em 1937 iniciou-se um período ditatorial, no qual a nova Constituição (a Polaca) mandou fechar o Congresso Nacional. O ministro Waldemar Falcão, com participação dos juristas Oliveira Viana e Rego Monteiro, prepararam a normativa base do que formaria a Justiça do Trabalho, além de reorganizarem o sistema sindical. Aliás, este é um ponto que refletiu bastante o cenário político do período. O modelo tornou-se cada vez mais intervencionista, com forte influência do corporativismo italiano.
O primeiro diploma legal mais generalista foi a lei 62/35, aplicada a industriários e comerciários. Já em 1940, Getúlio Vargas instituiu o salário-mínimo.
A CLT
Em 2 de janeiro de 1942, o jurista e político Alexandre Marcondes Filho assumiu o cargo de ministro do Trabalho. Iniciou-se aí o debate para a criação da CLT. No mesmo mês, Vargas designou uma comissão para elaborar o anteprojeto. Foram designados os procuradores da Justiça do trabalho Luiz Augusto de Rego Monteiro, Arnaldo Sussekind, Dorval Lacerda e José de Segadas Viana, e o consultor jurídico do ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Oscar Saraiva.
Em novembro de 1942 o anteprojeto foi encaminhado ao ministro do Trabalho e submetido à apreciação do presidente da República. Getúlio Vargas o aprovou e designou comissão para analisar as mais de duas mil sugestões enviadas e redigir o projeto final, concluído em 1943.
Assim, a CLT foi aprovada em 1º de maio de 1943 pelo decreto-lei 5.452, entrando em vigor em 10/11/43.
Desde então, está ela aí, sobranceira no Direito do Trabalho, com princípios e conceitos sendo observados até hoje.
Para o professor, doutor e juiz da 6ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP, José Antônio Ribeiro, apesar das críticas – algumas pertinentes – a CLT atende em grande medida, nesses 80 anos, aos propósitos de sua edição.
A sociedade mudou; antes, havia predomínio da atividade rural; hoje, a indústria e, principalmente, o grande setor de serviços prevalecem. Contudo, boa parte das diretrizes gerais da CLT permanecem em vigor, de forma intacta ou com pequenas alterações, que não lhe retiram a normatividade. O mencionado magistrado considera que as alterações pontuais, durante a vigência da CLT, melhoraram a legislação trabalhista. Todavia, segundo ele, a reforma trabalhista gerou diversos problemas que precisam ser contornados, seja pelos advogados, seja pelos juízes do Trabalho.
“Em alguns aspectos a CLT é protecionista – como deve ser toda legislação que regule as relações de trabalho, nas quais há um trabalhador hipossuficiente, em regra – e em outros restringe os direitos do trabalho ou dificulta o recebimento dos créditos trabalhistas.”
Reforma trabalhista
Desde meados da década de 1990 a flexibilização nas relações trabalhistas vêm sendo pauta no cenário brasileiro. O processo de globalização e privatizações estimularam a reformulação de contratos de trabalho. As ideias de cunho liberal ganharam força, buscando diminuir o custo dos trabalhadores com a redução de prerrogativas e da estabilidade, em sentido oposto ao protecionismo buscado na era varguista.
Em dezembro de 2016 foi apresentado o projeto de lei 6.787 na Câmara dos Deputados. Sua intenção era alterar dispositivos da CLT considerados ultrapassados. Os principais pontos da reforma visavam uma maior paridade nas relações entre trabalhadores e empregadores. No campo da Justiça trabalhista, defendia-se a necessidade de aliviar o volume de casos, por meio do estímulo a acordos extrajudiciais. Desse projeto nasceu a lei 13.467/17, a chamada reforma trabalhista.
As opiniões sobre a reforma são bastante antagônicas. Por um lado, há quem defenda a necessidade imperiosa da reforma para modernizar a legislação derivada dos anos 1940. Por outro, críticos afirmam que há uma tendência na redução de direitos dos trabalhadores, precarizando as condições de trabalho. Para o juiz do Trabalho José Antônio Ribeiro, a reforma trouxe poucas novidades que efetivamente melhoram as relações de emprego e o trâmite do processo do trabalho, mas tornam a CLT uma verdadeira “colcha de retalhos”:
“Implementou no Direito do Trabalho péssimas figuras, como a do contrato de trabalho intermitente, que não foi regulamentado de maneira completa e tem sido utilizado por vários empregadores, inclusive grandes empresas, de forma fraudulenta, porque em verdade necessitam de mão de obra permanente em seus estabelecimentos.”
Dentre as mudanças mais polêmicas na legislação, estão o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical (assunto que está em pauta no STF); a prevalência de convenções e acordos coletivos de trabalho sobre a letra da lei; e, a cobrança dos honorários de sucumbência e periciais dos beneficiários da justiça gratuita. Esta última situação, entretanto, foi objeto da ADIn 5.766 e o dispositivo foi declarado inconstitucional.
Mirando o futuro
Ainda, o mencionado magistrado considera que o legislador deve, daqui para frente, olhar para a CLT com mais “zelo e respeito”. Considera, aliás, uma boa alternativa a edição de um Código do Trabalho, equivalente a legislações existentes em países como Espanha e Portugal. Assuntos como a regulamentação do trabalho por plataformas digitais, e questões antigas mal resolvidas, como a da atuação sindical e limites da negociação coletiva, necessitam, segundo ele, de mais atenção.
Ademais, no campo do processo trabalhista, normas que tratem dos novos meios de prova, como provas digitais, e outras que disciplinem o uso das ferramentas de pesquisa patrimonial para a efetiva satisfação dos créditos são essenciais. Há, entretanto, pontos da legislação que, de acordo com o magistrado, não devem ser tocados, como as regras sobre fraudes, limitações da jornada de trabalho, exceto se em benefício do trabalhador. E outros que deveriam ser aprimorados, como o tratamento dos regimes especiais de trabalho.
Ao final, o magistrado espera que “haja alterações pontuais da CLT, mas sempre de forma completa sobre cada instituto regulamentado, com uma visão de futuro, em que haja respeito ao valor social do trabalho e diretrizes claras para os empreendedores”.
E é assim, com olhos no futuro, que comemoramos o aniversário natalício desta octogenária legislação.
Fonte: Frederico Gonçalves Cezar. O processo de elaboração da CLT: histórico da consolidação das leis trabalhistas brasileiras em 1943
Matéria publicada originalmente pelo Site Migalhas