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Brasil deve ampliar corte de gastos não essenciais, diz ex-diretor do FMI

Paulo Nogueira observou que a crise econômica resultada da pandemia aumentou os índices de desemprego, provocando um grave desequilíbrio das contas públicas. Mas alertou para o fato de que, apesar disso, o debate público sobre a questão fiscal ainda é deficiente. O debatedor defendeu a combinação de crescimento econômico com ajuste fiscal, mas ressaltou que a ideia de um corte drástico nas contas públicas do Brasil em 2021 seria uma solução “perigosa e inconveniente”.

— É preciso reconhecer, sim, que a situação das contas públicas requer cuidados, mas, tendo em vista a preocupação com o nível de atividade e de emprego, seria melhor passar ao ajustamento das contas ao longo de vários anos, reduzindo gradativamente o deficit primário do setor público e adotando, de preferência, uma regra fiscal mais racional, mais bem formulada do que as regras atualmente existentes. Essa tese do ajustamento fiscal expansionista não tem base na realidade empírica nem na experiência internacional. É uma questão importante e está na ordem do dia.

Estratégias

Além de discutir o impacto da pandemia na economia mundial, a reunião remota debateu estratégias internacionais de enfrentamento da crise econômica e como a experiência brasileira pode contribuir para a mitigação da crise.

Representante do FMI no Brasil, Joana Pereira observou que a pandemia de covid-19 trouxe “um choque econômico sem precedentes”, no tocante à prestação de serviços, à queda de consumo e ao aumento de incertezas em todo o mundo. Ela apresentou, no entanto, dados mais positivos referentes às respostas político-econômicas, tanto no grupo de países avançados, quanto em economias em desenvolvimento e mercados emergentes.

Joana citou uma disparidade de níveis de queda no setor de serviços entre países europeus em relação ao Brasil. Enquanto na Itália, na Espanha e no Reino Unido, por exemplo, essa queda atingiu 70% em abril, no Brasil a queda foi da ordem de 25% a 30%. A debatedora destacou ainda que, sem o apoio dos governos ao redor do mundo, a crise causaria retrocessos ainda maiores em relação às taxas de diminuição da pobreza verificadas nas últimas décadas.

— O Brasil, como outros países emergentes, viu uma saída importante de capitais estrangeiros, investimentos em carteira, mais notoriamente, quer em títulos de dívida, quer em debêntures [títulos de crédito], nos primeiros 100 dias da crise. Essa tendência se reverteu nos últimos meses, muito por conta das medidas avançadas pelos bancos centrais, que trouxeram mais confiança, embora não exista ainda uma total reversão com relação ao momento inicial.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado, Felipe Salto, apontou certa recuperação em curso nos principais setores da economia do Brasil. No varejo, por exemplo, entre maio e junho, houve alta de mais de 12%, afirmou. O problema, segundo Salto, é que, como o mergulho na crise foi profundo, o quadro comparativo a 2019 ainda se apresenta muito ruim. Na indústria, a recuperação está em torno de 8,9%, com queda de 5,6% no acumulado de um ano. Já o setor de serviços apresenta recuperação modesta, com alta de 5% entres os meses de maio a junho. A queda do setor é de 3,4% no acumulado em 12 meses, disse ele.

— Esses dados setoriais mostram duas coisas. Uma, que pode ser positiva, pois esses indicadores refletem o sucesso em parte das medidas de mitigação da crise, sobretudo de crédito, a exemplo do Pronampe, que demorou para começar a surtir efeito, mas que, quando começou a ter os recursos garantidos pelo Fundo Garantidor de Operações, acabou surtindo um resultado importante. Mas pode também refletir um dado negativo: as medidas de isolamento não terem sido feitas de maneira adequada. Isso pode significar, infelizmente, que a gente tenha o risco de voltar a ter uma nova rodada de aumento de contágio, o que seria muito preocupante.

De acordo com Salto, os números precisam estar bem analisados e acompanhados conjuntamente aos dados da contaminação e de espalhamento do vírus. Ele afirmou que o célere controle da doença é primordial para uma recuperação persistente da economia.

Emprego

Coordenador de Operações em Economia, Governança e Desenvolvimento do Banco Mundial no Brasil, Rafael Muñoz Moreno apontou a necessidade da continuidade das medidas de proteção a empresas e empregos. Ele destacou que o governo federal precisará flexibilizar muitas regras, de modo a permitir que os estados se ajustem à realidade de menor receita após a pandemia.

O debatedor elogiou o destaque brasileiro na proteção dos mais vulneráveis, com programas como o Bolsa Família, por exemplo. Segundo afirmou, a transferência de renda complementada com o pagamento do auxílio emergencial e outros apoios, como o adiamento do pagamento de contas de energia e água, permitiu a sustentabilidade financeira da maioria dos brasileiros. São medidas de proteção social que, na opinião do especialista, devem ser aperfeiçoadas e continuadas, para que a população de baixa renda permaneça conseguindo se manter.

— Por enquanto, a nossa percepção é de que o setor financeiro é bastante sólido para responder à realidade, mas uma queda muito forte da economia pode afetar isso. É importante esse apoio e evitar que a crise econômica se transfira a uma crise financeira, porque isso agravaria muito mais a situação que estamos vendo. Além disso, também é preciso retomar a agenda de reformas, identificar, deixar claras, mapear, implementar essa agenda, porque ela será a base do futuro da retomada econômica do Brasil — ressaltou.

Investimentos

O representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Morgan Doyle, destacou a atuação do órgão no combate à pandemia de covid-19 no Brasil, com ações como a agilização de processos de compras e a realocação de recursos nos estados. De acordo com ele, a carteira de investimentos em execução no país soma 84 operações com o setor público, distribuídas em áreas como infraestrutura, recursos naturais, social, gestão fiscal e maior inserção do Estado. São mais de US$ 11 bilhões em projetos que envolvem a União, os estados e os municípios, cujos desembolsos devem ser duplicados até o final de 2020, ressaltou.

— Como em todos os países, a pandemia implicou tremendo esforço para atender uma demanda radicalmente diferente do que achávamos no começo do ano. Isso significou um pivô completo quanto à programação de 2020, assinando quase a totalidade dos US$ 2,3 bilhões para a covid-19. Há duas semanas, inclusive, a nossa diretoria aprovou uma operação de US$ 1 bilhão para ajudar famílias vulneráveis e trabalhadores no Brasil — US$ 400 milhões serão direcionados para auxílio emergencial, o valor é equivalente a três meses de ajuda para 475 mil famílias. Adicionalmente, nossas equipes têm buscado aproveitar ao máximo a carteira existente e puderam realizar cerca de 40 iniciativas e ações para atender demandas da pandemia que representam mais de US$ 200 milhões em 11 estados do Brasil.

Dados

O presidente da comissão mista, senador Confúcio Moura (MDB-RO), destacou “o nível elevado” das palestras desta segunda-feira. Ele disse que todos os dados serão discutidos com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que deverá participar de audiência remota do colegiado na próxima segunda-feira (31).

— Esta é uma audiência pública muito proveitosa, que vai embasar a nossa reunião com o ministro, para fazermos um balanço, um relatório. Então, esses conteúdos vão nos orientar bastante na audiência marcada para o final deste mês —

Fonte: Agência Senado

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