Uma pesquisa da empresa de transporte por aplicativo 99 revelou que 64% das mulheres afirmam ter sofrido assédio no cotidiano. A média é de três vezes na vida. As situações mais frequentes ocorrem em lugares públicos (47%) e nos transportes (40%).
Ônibus e metrô lideram o ranking de ocorrências, com 76% e 25%. As mulheres acreditam, segundo o levantamento, que há situações mais propícias ao assediador, entre elas locomoção à noite (75%), passar por regiões violentas (66%), ambientes lotados (61%), locais desconhecidos (60%) e esperar ônibus no ponto (51%).
A pesquisa foi realizada com 1.056 pessoas, usuárias de aplicativo de transporte em todo o país, entre os dias 19 e 22 de fevereiro, por meio de um questionário virtual.
O levantamento revelou que carros de aplicativo e táxis foram considerados mais seguros pelas passageiras. Ainda assim 16% das entrevistadas disseram ter sofrido algum tipo de assédio em veículos de app e 6% em táxis.
“O perigo e a importunação na mobilidade não são novidade, mas o problema que não é debatido vira um não-problema. O assédio só se tornou crime em 2018 e os homens ainda não entenderam que um olhar, uma cantada, não são só isso. Não é necessariamente o toque, mas a coação”, afirma Pâmela Vaiano, diretora de comunicação da 99.
A advogada Ivana Parra, de 29 anos, prefere gastar mais no transporte e se sentir segura. Com frequência, ela usa carros por aplicativo, ainda mais em meio à pandemia. “Eu usava metrô e ônibus, mas sempre que alguém ficava mais perto, eu colocava alguma coisa atrás de mim. A gente já levanta a antena. Situações constrangedoras todas as mulheres passam”, conta.
Ela revelou que já deixou de fazer algumas atividades à noite por receio. “Na volta, compartilho trajeto do aplicativo, mando mensagem pra avisar quando chego. Quando saía tarde do trabalho, já descia do Metrô e caminhava próximo a outras mulheres. Apertava ou diminuía o passo se visse homens na minha direção. A gente vai se adequando, uma cuida da outra”, disse Ivana.
Assédio no cotidiano
A pesquisadora Ana Carolina Nunes, de 30 anos, afirmou que as mulheres têm dificuldade de confirmar que houve o assédio por medo da reação do agressor ou até porque a sociedade tolera muito mais as atitudes dos homens, vistas como flerte.
“Já passei por várias situações desconfortáveis, mas não queria acreditar que era assédio, tipo um homem se encostando muito em mim. Como defesa, desvencilhei meu corpo, mas fico com medo de confrontar por não saber qual será a reação. Já vi o acusado agindo de forma desproporcional e dizendo que a mulher era louca”, lembra.
Segundo a pesquisa, os comportamentos que mais importunam as mulheres que já foram assediadas em carros de aplicativo são: olhares insistentes (39%), perguntas sobre vida pessoal (34%) e relacionamentos (26%), assobios (15%), comentários sobre a aparência delas (14%) e piadas ou comentários de caráter sexual (11%). Também 1,9% das entrevistadas disseram que foram tocadas sem permissão.
Ana Carolina já foi incomodada com perguntas sobre a vida pessoal dentro do carro de aplicativo: “Ele perguntou se meu namorado estava me esperando em casa. Minhas respostas deram a entender que era comprometida, mas não sabia como reagir. Sei da importância de denunciar, mas me inibi por não ter certeza se era uma cantada”.
A assistente comercial Thiara Marins Tavares Souza, de 40 anos, mora em Campinas, no interior de São Paulo, foi vítima de assédio algumas vezes e já presenciou situações constrangedoras com amigas.
“No transporte público, passei pelo que todas as mulheres reclamam: um engraçadinho ficar se esfregando. Eu saí de perto e o homem desceu na estação seguinte. Outro dia, num mercado, o homem estava roçando na mulher, que reclamou. Já passaram a mão na minha bunda atravessando a rua. Ainda um homem apertou o seio de uma amiga e saiu correndo. Dá uma sensação de impotência. Muito triste viver dessa maneira”, revela.
Fonte: R7