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Quando o trabalhador, solução para a crise, é transformado em problema

Na economia, além dos estoques de capital, matérias-primas e tecnologias disponíveis, o trabalhador é importante fator de produção. Ele constitui a oferta de trabalho na economia e é demandado pelas empresas. Ao processar fatores de produção, as empresas conjugam estes variados fatores para produzir todos os bens e serviços que são disponibilizados para o consumo das empresas e, sobretudo, dos próprios trabalhadores.

A contrapartida à contribuição dos trabalhadores são as remunerações na forma de salário. É o estoque de salários que garante o funcionamento do mercado à medida que os trabalhadores compram os bens e serviços que eles mesmos – em última instância – produziram conjuntamente. Em condições equilibradas nas relações capital/trabalho, há um círculo virtuoso no qual o progresso econômico se viabiliza.

Legislações que porventura precarizam as condições de trabalho provocam dificuldades econômicas aos próprios empresários, comprometendo o crescimento de longo prazo da economia. Isso porque tal precarização (flexibilização de direitos para reduzir custos das empresas por meio de reformas trabalhistas) acaba por reduzir a demanda por bens e serviços e acaba por agravar a sua própria lucratividade.

Ou seja, a melhor reforma trabalhista não é aquela que reduz os encargos das empresas, mas aquela que fortalece a produtividade do trabalhador. Mais importante que a redução do custo do trabalho, é a capacidade dos trabalhadores e das empresas de produzir mais bens e serviços por unidade de tempo que importa. Na 19ª Carta do Observatório de Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade de São Caetano do Sul (Conjucs), tratei dos quatro anos de reforma trabalhista no Brasil. A íntegra da nota técnica está disponível aqui.

Segundo o portal Mapa de Empresas, do governo federal, existem no Brasil atualmente 18 milhões de empresas ativas. Elas são as principais beneficiárias do estoque de capital humano disponível no país, que soma quase 177 milhões. Destes, 102 milhões são trabalhadores que disputam alguma vaga no mercado de trabalho, e dos quais 88 milhões estão desempenhando atividades de trabalho formais e informais. Os sub(in)utilizados (desempregados e desalentados), que flutuam ao sabor das condições macroeconômicas conjunturais, somam 20 milhões (14,4 milhões e 5,6 milhões, respectivamente).

Levando-se em conta que a população do país é de 212 milhões de habitantes, apenas 38% da população brasileira (80,2 milhões) está adequadamente empregada (trabalhadores formais dos setores privado e público e microempreendedores). Mas quase 97 milhões são subutilizados! Ao contrário do que recorrentemente se divulga (a de que a taxa de desemprego gira em torno de 14%), o desemprego estrutural é de 55%, levando-se em conta os desempregados, os trabalhadores empregados precariamente e aqueles não utilizados. Os números evidenciam que o desperdício de capital humano no Brasil é assustador!

No segundo trimestre de 2021, a taxa de desocupação foi de 14% (14,4 milhões de desocupados em relação aos 102 milhões de trabalhadores na força de trabalho). No segundo trimestre de 2017, período anterior à aprovação da reforma trabalhista, a taxa era de 13%, sendo que o principal grupo atingido mais diretamente pelo desemprego durante todo este período foi a população jovem, representando quase 50% do total. Em 2014, último ano no qual o recorde de empregos chegou ao seu nível mais alto, a taxa de desemprego foi 4,8% (a menor taxa desde o início da série histórica medida pelo IBGE). Em julho, completaram-se quatro anos da aprovação da Lei 13.467, a chamada “reforma trabalhista”, que alterou profundamente as relações (conflituosas) entre capital e trabalho no país. À época, o argumento utilizado pelos seus defensores era o de que o excesso de regras – e as onerosas obrigações arcadas pelas empresas – impediam a criação de novos empregos. Era preciso “modernizar” a legislação. O próprio ministro do Trabalho à época, Ronaldo Nogueira, chegou a sugerir que a aprovação da lei teria potencial para gerar mais de 2 milhões de “novos” postos de trabalho!

Os 13 principais pontos da reforma podem ser organizados em dois grupos. 1) a prevalência das negociações entre empresas e trabalhadores (jornada de trabalho, descanso, férias, banco de horas, negociações, demissão, jornada e tipo de trabalho e contribuição sindical opcional em vez de compulsória). E 2) a redução do papel exercido pela Justiça do Trabalho nas relações capital/trabalho, dando maior poder de negociação entre as partes.

Sobre os principais pontos tratados na reforma, o agravamento da crise econômica, acompanhada da flexibilização das regras trabalhistas, empurrou milhares de trabalhadores para atividades precarizadas (entregadores, autônomos, vendedores ambulantes). Neste cenário, o trabalhador possui desvantagens de negociação em torno da jornada de trabalho, do descanso, do banco de horas e das férias, já que acaba por ser “forçado” a aceitar as condições impostas pelas empresas. O chamado “trabalho de casa” (home office), incorporado pela primeira vez na legislação – ainda que represente um avanço na cobertura legal àqueles trabalhadores nesta condição –, o fato é que as empresas têm resistido em garantir condições materiais adequadas (mobília, internet, alimentação etc.) aos trabalhadores, tendo estes que arcar com os custos integrais desta adaptação. O cenário de pandemia agravou tal situação, porque o número de trabalhadores nesta situação aumentou expressivamente. Assim, este conjunto de fatores tem ampliado a disponibilidade de trabalhadores para as empresas e impactado no salário médio. Em consequência, este tem diminuído de forma acelerada no contexto de maior disponibilidade de trabalhadores precários associada ao baixo ritmo da atividade econômica no país. O debate intenso sobre a reforma trabalhista surgiu ao final de 2016 e sua aprovação, em 2017, não tem produzido os resultados prometidos.

Um dispositivo absolutamente desfavorável ao trabalhador tem sido a flexibilização dos acordos coletivos. Estes eram até então poderosos instrumentos de garantia dos direitos negociados entre sindicatos e empresas. A nova regulamentação passou a permitir que as empresas utilizem dos acordos coletivos para negociar condições de trabalho menos favoráveis aos trabalhadores, independentemente do que estabelece a lei vigente. Significa dizer que os acordos coletivos perderam força e legitimidade, abrindo espaço para que as empresas imponham suas condições sem a participação ativa dos trabalhadores e seus representantes. O comportamento da atividade econômica, os fluxos de investimento e a confiança dos empresários e investidores são determinantes para o mercado de trabalho, e não o custo da folha de pagamento. O custo da folha se transforma em renda do trabalho, cuja destinação contribui para ampliar o mercado de consumo, gerar mais produção, lucros e mais empregos. A lógica de enxergar os encargos trabalhistas como um fardo às empresas é equivocada. É a ampliação da massa de salários e direitos, acompanhada do investimento contínuo na formação dos trabalhadores, que permitirá ao país melhorar os indicadores de emprego, produção, lucro das empresas e distribuição de renda. É preciso equalizar as relações entre capital e trabalho de forma mais inteligente. A precarização do trabalhador não deveria interessar ao país e, muito menos, às empresas.

Fonte: Rede Brasil Atual

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