Nas últimas semanas, o projeto Elas por Elas tem se dedicado em uma série de matérias com foco nas mulheres negras. Linha de frente na pandemia, atuação no cinema, desafios da participação política nos mandatos legislativos, na construção do PT, as dificuldades no acesso à saúde, foram alguns dos temas apresentados.
Na matéria de hoje, o foco é mercado de trabalho. Como as mulheres negras brasileiras estão no mercado de trabalho? Qual o lugar que elas ocupam? Que o racismo é determinante em todos os aspectos da vida da população negra, já é notório, sob a vida das mulheres negras a invisibilidade é naturalizada.
O Brasil tem 55% de sua população formada por pessoas negras. Destes, 28% são mulheres, ou seja, elas representam o maior grupo demográfico do país. Mesmo sendo a maioria da população e também a maior parte da força de trabalho, a população negra é a mais representada em índices que apontam desocupação ou subutilização no mercado de trabalho. Os dados foram apresentados pelo IBGE em 2019.
As desigualdades raciais também se tornam evidentes no que diz respeito à remuneração, as mulheres negras chegam a receber 44% a menos que o salário de um homem branco. Uma pesquisa divulgada em 2017, pelo Instituto Locomotiva, aponta que o salário de uma mulher negra com o ensino superior concluído é, em média, R$ 2,9 mil. Para efeito de comparação dentro desse cenário, o de mulher branca é R$ 3,8 mil; o de um homem negro, R$ 4,8 mil; e o de um homem branco, R$ 6,7 mil.
Dados apresentados pelo IBGE em março deste ano, mostram que em 2019, 49,7% das mulheres negras com crianças de até 3 anos exerciam alguma ocupação. Entre as mulheres brancas, a proporção foi de 62,6%. Para aquelas sem crianças nesta faixa etária, os percentuais foram de 63% entre mulheres negras e 72,8% entre brancas.
Por outro lado, o trabalho doméstico é formado em sua maioria por mulheres negras e é também a maioria com trabalho precarizado, sem direitos. Nos cargos que existem menor qualificação, lá estão elas. A falta de oportunidades e de acesso à educação, aliados ao racismo, são determinantes para a ausência de mulheres negras em espaços de maior qualificação e remuneração, e mesmo quando ocupam esses lugares, o racismo continua lá.
“Vivemos em um país com um racismo estrutural, em que falta oportunidade para as pessoas pretas em estudar e competir. A sociedade não trata o profissional de saúde negro como alguém com capacidade, vêem apenas a cor da pele, esse é um sofrimento que vivemos há muitos anos. Nós trabalhadores da saúde sofremos no dia a dia esse racismo estrutural, que vem de uma sociedade que por muito tempo nos enganou dizendo que éramos uma sociedade mestiça, com democracia racial, e cada vez mais esse racismo se aflora e mostra o seu vigor para a sociedade e nós da saúde não estamos fora desse contexto”, destaca a secretária geral do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde de São Paulo, Célia Regina Costa.
Postos de comando
A pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho”, desenvolvida por Indique uma Preta e a empresa de pesquisa Box1824, entrevistou mil mulheres negras em todo o país. De acordo com os dados apresentados, 54% das trabalhadoras negras entrevistadas não exercem trabalho remunerado e 39% delas dizem estar procurando emprego no atual momento.
Quando o assunto é cargo de liderança, a maioria deles é ocupado por pessoas brancas. “Apenas 3% delas são gerentes, 3% de supervisoras ou coordenadoras, 3% de sócias ou proprietárias, 8% de analistas, 18% de administrativo ou operacional, 23% de assistente ou auxiliar e 5% de estagiários e trainees”.
Divulgado a cada três meses pela FACAMP – Faculdades de Campinas, o Boletim das Mulheres Negras no Mercado de Trabalho analisou os dados da inserção das mulheres negras no mercado de trabalho, a partir de dados gerados pelo PNAD/IBGE. Apresentado em junho deste ano, o estudo analisou os dados referentes ao 1º trimestre de 2021. Entre as observações do estudo, está o aumento do desemprego que atingiu mais as mulheres negras.
As mulheres negras foram a maioria na desocupação, na subocupação e na subutilização da força de trabalho ampliada, mostrando que a sua inserção no mercado de trabalho foi mais precária do que a dos demais grupos considerados (homens negros e mulheres e homens brancos). O cenário é de extrema desigualdade e vulnerabilidade, sendo imperioso que políticas públicas sejam ativadas para minimizar e superar a situação precária em que a maior parte das mulheres negras vive no mercado de trabalho”, destaca trecho do levantamento.
Os desafios que as mulheres negras enfrentam para sua inserção no mercado de trabalho são históricos, resultado de um longo período de escravidão. Para a secretária Nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, é preciso romper a lógica racista que estrutura a sociedade e impõe às mulheres negras um lugar de subalternidade.
“Não é natural, que mulheres negras estejam no topo das estatísticas de trabalho precarizado, de falta de acesso à saúde, à educação, de altos números de violência, é necessário continuar lutando por políticas públicas que revertam essa lógica da sociedade, para que as mulheres negras possam exercer o direito de ter uma vida digna, com moradia, trabalho, alimentação, educação, saúde, cultura e lazer”, observa.