O deputado David Miranda (Psol-RJ) ressaltou a dificuldade de se conseguir dados oficiais de violência contra LGBTQIA+. “Sabemos que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo”, disse, observando, porém, que os números são coletados por entidades da sociedade civil.
“Mesmo depois da decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] que equiparou o crime de homotransfobia ao crime de racismo, não temos sistema público de segurança pública que esteja coletando dados e tratando as pessoas LGBTQIA+ de acordo com a legislação feita pelo STF”, criticou.
Segundo Miranda, os dados que existem são alarmantes, mostrando que os lugares em que mais existe violência são a casa e o ambiente de trabalho. “As pessoas são hostilizadas no lugar onde deveriam ser acolhidas”, lamentou.
Violência nas prisões
Doutor em serviço social e professor-adjunto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Guilherme Ferreira (RS) chamou a atenção para o tratamento violento recebido por essa população nas prisões. “Continuam torturando, perseguindo, sequestrando, violando direitos e fazendo desaparecer as pessoas LGBT nas prisões brasileiras”, disse.
Ele defende a criação de espaços específicos para a população LGBTQIA+ nas prisões. Hoje, salientou, já existem cerca de 100 unidades prisionais no Brasil que contam com esses espaços.
Simone Brandão, doutora em cultura e sociedade e assistente social, também destacou a violência praticada pelo próprio Estado e a desconstrução recente de políticas públicas para esse público. “O rastro desse contexto sombrio é a ampliação da violência e o aprofundamento da LGBTfobia nos diferentes espaços, entre os quais a prisão”, apontou.
As violações cotidianas de direitos nas prisões incluem preconceito, humilhações, proibição de visitas íntimas, ausência de cuidados com a saúde sexual, exploração sexual e sexo forçado. Ainda segundo Brandão, a administração penal não apenas ignora como participa dessas violações.
A pesquisadora também ressaltou o aumento do chamado lesbiocídio no Brasil – ou seja, assassinato de pessoas lésbicas pelo motivo da sexualidade. Entre 2014 e 2017, segundo ela, houve aumento de 237% no número de lesbiocídios.
Violência no campo
Alessandro Mariano, do Coletivo Nacional LGBT do Movimento das/os Trabalhadoras/es Sem Terra (MST), afirmou que o assassinato de pessoas LGBTQIA+ é um problema também do campo e citou o caso recente do ativista Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, que atuava também no MST e foi encontrado carbonizado no município de São João do Triunfo, no Paraná, no início de maio.
Segundo Mariano, a LGBTfobia, nesses casos, “se entrecruza com a violência do latifúndio e da polícia”, se valendo da conivência do Estado. Ele defende que as lutas por justiça social sejam interseccionais – ou seja, que a luta contra o preconceito caminhe junto com a luta por reforma agrária e pelo direito à moradia, por exemplo.
A vereadora de Aracaju Linda Brasil salientou ainda que, das 175 pessoas trans assassinadas no ano passado, 100% eram mulheres e 78% das vítimas eram negras. Existe, portanto, um recorte de gênero e de raça na violência.
Os dados apresentados pela vereadora são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Linda Brasil frisou que a expectativa de vida dos cidadãos trans no Brasil é de apenas 35 anos. E defendeu políticas de prevenção e educação para combater a violência contra as pessoas LGBTQIA+, com políticas de conscientização para desconstruir estigmas e estereótipos que levam às agressões.
Segundo a vereadora de Araçatuba (SP) Regininha, que também é trans, a violência contra essas pessoas inclui ainda a negação de acesso a setores públicos e privados, à educação e ao direito de ter um nome social, por exemplo.
Saúde mental
Mulher trans integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Jacqueline Brasil (RN) salientou que não apenas o assassinato, como o suicídio das pessoas trans vem crescendo. Segundo ela, os problemas de saúde mental desse público têm se agravado com o aumento do ódio contra eles.
Ansiedade, depressão, estresse pós-traumático por conta de tantas violências vividas são alguns dos problemas que afetam essa população, conforme a professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro Jaqueline Gomes de Jesus. Ela disse que muitas vezes se pensa a saúde da pessoa LGBTQIA+ apenas como saúde sexual, sem incluir a saúde mental e a saúde reprodutiva, por exemplo.
A doutora em saúde coletiva e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Margareth Gomes reiterou que a violência psíquica é um dos grandes problemas que afetam a população LGBTQIA+, que aumenta no período pandêmico.
Ela ressaltou o “apagão” das políticas LGBTQIA+ nos últimos dois anos – por exemplo, com queda de financiamento na saúde pública, que afeta as populações vulnerabilizadas, e a redução de participação desse segmento na formulação das políticas que as impactam.
“Essas políticas públicas só se farão acontecer se nós nos despedirmos do nosso racismo, misoginia e LGBTtransfobia. É preciso acolher essas pessoas nos nossos círculos sociais”, observou Heliana Hemetério, integrante da Comissão de Saúde do Povo Negro do Ministério da Saúde e ativista LGBTQIA+.
Decisões do STF
Benjamin Neves, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, comemorou decisão nesta segunda-feira (28), do ministro Gilmar Mendes, do STF, que concedeu liminar para obrigar o Ministério da Saúde a adotar medidas para garantir o atendimento de pessoas transexuais.
Outra demanda dos homens trans, segundo ele, é por profissionais de saúde mais preparados para atender essa população.
A promotora de Justiça Márcia Teixeira disse que o momento é de tirar do papel e levar para o mundo real a decisão do STF, em 2019, de equiparar a homotransfobia ao crime de discriminação.
“Nós precisamos orientar a população LGBTQIA + para que, ao acontecer um crime, uma homotransfobia, uma lesbofobia, se dirija à delegacia mais próxima. Se não tem uma delegacia mais próxima ou se eu não for bem tratado nessa delegacia, eu posso procurar o promotor de Justiça, Ministério Público, a Defensoria Pública da cidade”, explicou.
“Para sair do papel, eu preciso movimentar a estrutura. Temos de encher o sistema de Justiça de reivindicações”, completou. Ela acrescentou que é muito importante ter nos estados delegacias específicas para atender casos de discriminação.
Projeto de lei
No seminário, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) defendeu o Projeto de Lei 5423/20, de sua autoria, que garante o direito de registro de dupla maternidade ou paternidade a casais homoafetivos que tiverem filhos. Segundo o texto em análise na Câmara, será registrado no documento de identificação o nome de duas mães ou de dois pais, conforme o caso.
Com o tema “Construção Democrática e Participação Social: os desafios para a cidadania LGBTQIA+ frente à pandemia”, o seminário é uma realização das comissões de Legislação Participativa; de Direitos Humanos e Minorias; de Cultura; de Trabalho, Administração e Serviço Público; de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e de Defesa dos Direitos das Mulheres da Câmara dos Deputados; e da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
Fonte: Agência Câmara de Notícias