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Mais trabalho, mais sacrifícios: os efeitos da pandemia no trabalhador

A pandemia do novo coronavírus afastou trabalhadores do mundo inteiro das mesas de escritório e os obrigou a lidar com uma nova dinâmica profissional, longe da empresa, dos colegas e dos equipamentos de costume. Claro que o home office não é possível para todas as categorias, mas, para diversas, a crise sanitária forçou a primeira experiência com o modelo. O quadro pandêmico modificou em larga escala o mercado de trabalho mundial, como mostram dados da pesquisa do ADP Research Institute, feita com pessoas de quatro continentes.

Com tantas modificações, os desejos e a visão dos trabalhadores antes e depois da pandemia também se transformaram. Passaram por mutações as prioridades e as expectativas dos colaboradores mundo afora. No Brasil, o total de trabalhadores que atuam numa empresa que tem flexibilidade para o home office passou de 27%, em janeiro, para 50%, em maio. Em todos os continentes, a quantidade de horas extras subiu. Também aumentou, em geral, a abertura das pessoas para aceitar um trabalho freelancer.

Sacrifícios

Antes da pandemia, os brasileiros responderam que trabalhavam, em média, 4,3 horas sem remuneração por semana. Seria o período que costumavam ficar a mais no emprego sem compensação financeira. Após a pandemia, a quantidade de horas extra sem pagamento subiu para 5,3 por semana.

Todas as regiões do mundo analisadas apresentaram aumento da carga de trabalho após a crise sanitária, sendo a América do Norte o continente onde o crescimento foi mais acentuado, passando de 4,1 para 7,1 horas. Além de passarem a trabalhar mais, as pessoas tornaram-se mais dispostas a fazer sacrifícios para manter o emprego. Cerca de 46% dos brasileiros aceitariam redução de rendimentos e 18% concordariam com adiamento do salário.

Além disso, 9% considerariam a rescisão aceitável em meio à crise; e outros 26% não achariam nenhum sacrifício apropriado nem aceitável. Os trabalhadores indianos são os que mais concordariam uma redução de seus rendimentos se isso significasse a manutenção do emprego (51%), seguidos pelos chineses (34%).

Otimismo

Os números mostram que, apesar da necessidade repentina de adaptação à nova forma de trabalhar, 84% dos trabalhadores sentem-se otimistas quanto ao ambiente de trabalho nos próximos cinco anos. Na primeira etapa do estudo, antes da crise de covid-19, esse número era ainda maior, totalizando 86% dos trabalhadores mundiais.

Comparações

O estudo é composto por duas etapas: a primeira, feita entre novembro e dezembro de 2019; e a segunda, feita em maio. Os comparativos mostram que as respostas dos funcionários variaram muito entre os dois momentos. Foram ouvidos, para a primeira etapa do estudo, 32 mil profissionais, em 17 países, incluindo o Brasil. Já na segunda, 11 mil trabalhadores de seis nações (Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, China, Índia e Brasil) participaram da apuração.

Os questionamentos foram feitos tanto a empregados fixos, quanto a freelancers e prestadores de serviços. “É uma amostra bem variada, que reflete o mercado de trabalho como um todo”, explica Mariane Guerra. Entre as principais modificações que este cenário causou, segundo a executiva, estão aquelas relacionadas às habilidades valorizadas no mercado e à automação, que ocorre em razão das novas tecnologias do mercado.

“No Brasil, mesmo com a pandemia, as pessoas ainda têm uma visão otimista com relação ao mercado de trabalho, ou sobre o que vai acontecer com seu emprego nos próximos cinco anos”
Mariane Guerra, vice-presidente de RH da ADP na América Latina

46%
Total de brasileiros que aceitaria redução de salário para a manutenção do emprego

9%
Percentual de brasileiros que aceitaria adiamento de salário para a manutenção do emprego

O estudo da ADP Research aponta que cerca de 70% dos entrevistados pelo estudo tiveram boa adaptação ao trabalho remoto. No entanto, pelo menos 30% dos trabalhadores ainda desejam voltar para o escritório fisicamente, seja por necessidades pessoais e questões emocionais seja, por aspectos técnicos. “Essa adaptação depende do estilo de vida e das condições pessoais”, comenta Mariane Guerra, vice-presidente de RH da ADP.

“Existe uma mudança na rotina de trabalho e, às vezes, as pessoas levam um tempo para se organizarem no novo ambiente. É natural, no começo, confundir as rotinas (pessoal e laboral), mas, ao longo do tempo, vão se adaptando”, reflete Mariane . A executiva, que está com a equipe em home office desde o começo da pandemia, relata que, no início, houve maior desorganização entre os colaboradores, mas, hoje, todos estão bem adaptados.

Luanna Ferreira, 38 anos, servidora pública no Distrito Federal, está desde o começo da pandemia, em março, trabalhando de maneira remota e percebeu a dificuldade de separar a rotina pessoal da profissional. Ela elenca pontos positivos do trabalho a distância. “No formato remoto, eu ganho tempo em relação a não ter deslocamento, é muito bom para a minha qualidade de vida e também para o órgão, que não gasta com o transporte”, relata.

Além disso, a técnica em assuntos educacionais na Universidade de Brasília (UnB) destaca que, em casa, é possível desenvolver um ritmo de trabalho mais individual e ajustar a rotina à sua maneira. Embora ofereça muitas vantagens, trabalhar dentro de casa também pode ser um desafio. Uma das maiores dificuldades para Luanna é conciliar a demanda do trabalho com a familiar, principalmente para ela, que tem um filho de 4 anos.

“Uma coisa é sair de casa e chegar ao trabalho e ter as demandas só do trabalho. Quando você está em casa, tudo acontece ao mesmo tempo”, relata. Graduada em letras e especialista em gestão universitária, Luanna afirma que as dúvidas que antes eram tiradas em pouco tempo no escritório, com o trabalho remoto, demoram mais do que o normal para serem solucionadas.

Após a pandemia, ela espera que haja maior flexibilidade no ambiente de trabalho para que exista a possibilidade de alternar o expediente remoto com o tempo no escritório. Ainda enfrentando o quadro pandêmico, ela espera que os empregadores pensem em mais formas de trabalho remoto para serviços não essenciais, para que o índice de contaminação por covid-19 seja reduzido.

Trabalho freelancer em alta

A pesquisa da ADP Research apurou, ainda, qual a forma de trabalho preferida pelos entrevistados. Antes da crise do novo coronavírus, apenas 18% dos brasileiros responderam que preferiam o regime freelancer ou autônomo. Apesar de um leve acréscimo, chegando a 20% pós covid-19, a porcentagem permanece baixa. Na Europa, o número também apresentou leve incremento nas duas fases do estudo, passando de 13% para 18%.

Embora as funções permanentes continuem sendo as preferidas antes e depois da pandemia, os estudos revelam que o apelo do trabalho freelancer segue em alta. Antes, 15% de todos os trabalhadores (regulares e freelancers) disseram que escolheriam o trabalho autônomo em vez de uma posição permanente caso ambas as opções estivessem disponíveis. Na segunda edição da pesquisa, esse índice subiu para 18%.

A vice-presidente dos recursos humanos da ADP na América Latina, Mariane Guerra, explica que o grande atrativo pelo trabalho independente se deve à preferência de poder trabalhar onde e quando quiser. “As pessoas estão querendo fazer o que gostam, e quando podem. Escolher que projetos você quer fazer e não estar amarrado a um empregador. Esses são os principais fatores que os atraem para o modo freelancer.”

Flexibilidade aumentou

O percentual de empresas que implementaram uma política de trabalho mais flexível (não se limitando ao formato presencial o tempo todo, passando totalmente para o home office ou, pelo menos, mesclando períodos de atividades remotas e físicas) após a pandemia aumentou em comparação com a primeira fase do estudo realizado pela ADP Research. Mais da metade dos entrevistados (44%) afirma que os empregadores, agora, oferecem flexibilização na forma de trabalho, em comparação com apenas 24% do resultado anterior.

Ao passo que a proporção de participantes que dizem que a gerência sênior permite essa forma de trabalho saltou de 19% para 28%. No Brasil, a porcentagem de trabalhadores que afirmam que as empresas onde atuam contam com uma política oficial que permite trabalho flexível quase dobrou em comparação com a primeira fase do estudo, passando de 27% dos entrevistados para 50%. Ainda assim, de acordo com Mariane Guerra, vice-presidente de RH da ADP Research, muitas empresas demonstram certa resistência quanto à flexibilização do trabalho.

“Apesar de 44% terem migrado para o trabalho flexível, mais da metade dos trabalhadores afirmou que se sentiu, em algum momento durante a pandemia, pressionados a voltar para o escritório, embora a recomendação oficial fosse a de manter os trabalhadores não essenciais em casa. A flexibilização ainda é um grande tabu nas empresas.”

Em contrapartida, de acordo com a vice-presidente de RH da ADP, muitas companhias que experimentaram o trabalho remoto durante a pandemia adotarão essa forma no futuro pós-covid-19. No entanto, não se pode tirar conclusões a longo prazo. “Ainda é cedo para analisar se estamos diante de um cenário que permanecerá após este período”, diz.

Entre os entrevistados que trabalham numa área em que o governo recomendou ou exigiu que aqueles que exercem atividades não essenciais ficassem em casa o máximo possível, houve parcela significativa que sofreu pressões para continuar trabalhando presencialmente. Entre os brasileiros, 30% afirmaram sentir alguma pressão no início, mas, agora, não mais. Já outros 17% pontuaram que, ainda neste momento, são pressionados pelo patrão.

Fonte: Correio Brasiliense

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