Neste mês de maio, quando celebramos a Data Internacional dos Trabalhadores, marcada por lutas por melhores condições de trabalho, algumas recentes normativas, destacadas abaixo, são promissoras e nos permitem esperançar:
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres quando exercerem atividades de igual valor ou mesma função, incluindo no contexto o aumento da fiscalização e multa em caso de descumprimento;
A política de valorização do salário mínimo, acordada no documento “Pauta da Classe Trabalhadora” entre as centrais sindicais e a Presidência da República, lembrando aqui que mulheres e negros são os que mais têm remuneração vinculadas ao salário mínimo;
A inclusão de informações sobre pertencimento étnico-racial em registros administrativos direcionados a empregadores e a trabalhadores do setor privado e do setor público, objetivando subsidiar políticas públicas, sancionada pelo governo federal;
A reserva de até 30% de vagas para pessoas negras em cargos de comissão e funções de confiança na estrutura do Poder Executivo, incluindo administração direta, autarquias e fundações, anunciada pelo governo federal;
A reserva de 10% de vagas de emprego pelo Sistema Nacional de Empregos (Sine) para mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, aprovada pela Câmara dos deputados.
Não há dúvida de que temos uma longa trajetória pela frente para tornar as relações de trabalho, mais dignas, justas e igualitárias. Mas não há dúvidas também de que a jornada foi retomada.
Florestan Fernandes afirmou que “o trabalho lança raízes no Brasil através do trabalho escravo”, e é nesse contexto que durante 4/5 da história do Brasil, ou seja, durante quase 400 anos, trabalho foi “coisa de preto”. Nesse cenário, é urgente o enfrentamento das desigualdades no trabalho, em particular as raciais.
Observando dados da década passada, constatamos o quanto são sistêmicas as desigualdades nas relações de trabalho. Ao analisarmos essa série histórica, do quarto trimestre de 2012 para o mesmo período de 2022, percebemos que a restrição de acesso ao mercado de trabalho apresentou crescimento vertiginoso o contingente de força de trabalho cresceu 10,9%, porém o crescimento das pessoas em condição de desalento cresceu 110% (Radar Ceert – PNAD Contínua/IBGE – último trimestre de 2022).
E, apesar de as pessoas negras representarem 55,9% da força de trabalho, no desalento correspondem a 72,7%, sendo que as mulheres negras são as mais afetadas.
Desalentadas são pessoas disponíveis para assumir um trabalho mas que não o encontram na localidade em que residem; não conseguem trabalho por serem consideradas muito jovens ou muito idosas; não têm experiência profissional ou qualificação suficiente e interrompem a procura de trabalho.
A mesma pesquisa revela que também são pessoas negras (66,8%) a maioria de subutilizadas no país, o dobro do percentual de 32,7% das pessoas brancas. Estima-se em 8 milhões as mulheres negras subutilizadas; para homens brancos, esse contingente é de 3 milhões.
Na última década, a taxa de precariedade (baixos salários, insuficiência de horas trabalhadas, informalidade, intermitência, falta de estabilidade ou não garantia de direitos) atingiu 51,1%, explicitando o problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro. No caso das mulheres negras, as taxas de precariedade atingem 63,1%, quase o dobro da taxa de homens brancos, que é de 39,3% (Radar Ceert – PNAD Contínua/IBGE – último trimestre de 2022).
É nesse sentido que medidas para qualificar as relações de trabalho, contemplando simultaneamente o enfrentamento das desigualdades de classe, raciais, de gênero, idade e região, são bem-vindas.
Mas tais medidas necessitam de um plano de implementação, com prazos, metas e métricas que possibilitem o monitoramento de seu impacto na redução das desigualdades. É hora de avançarmos.
Cida Bento é Diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades)